‘Precisa mudar esse conceito que só velhinho sofre de hipertensão’, diz especialista

Confira entrevista do portal BN com uma das maiores especialistas brasileiras em hipertensão, a dra. Frida Plavnik.

Frida Plavnik entrevista

A Dra. Frida Plavnik é nefrologista e diretora científica da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH). Em entrevista ao Bahia Notícias, a médica fala sobre o aumento dos casos de hipertensão, principalmente em pessoas cada vez mais jovens, o que pode fazer com que a sociedade sofra impactos econômicos e sociais mais graves do que se imagina. “As pessoas têm que se conscientizar que enfartar ou ter um AVC aos 40, 45 anos, não é uma coisa rara, não é uma exceção à regra. É muito mais frequente do que se possa imaginar. E isso compromete a renda, dinheiro de saúde pública, a qualidade de vida da família, vai fazer com que os filhos tenham que sair da escola para trabalhar mais cedo e sustentar a casa… Então esse é um problema socioeconômico muito grande. E precisa mudar esse conceito de que é só o velhinho que sofre do problema”. Ao BN, Frida ainda dá dicas de como conviver com o problema, alerta para o desenvolvimento da doença em crianças e adolescentes e explica os mitos que envolvem a pressão alta.

BN: O número de hipertensos tem crescido no Brasil?
FP: A gente não tem uma estimativa de fato. Grosseiramente, costumamos dizer que em torno de um terço da população brasileira acima de 18 anos é hipertensa. Existe esse dado epidemiológico do Ministério da Saúde, o Vigitel, que é uma entrevista pelo telefone e que tem uma série de críticas. Se eu ligar para você e você achar que eu vou te prejudicar, vai dizer: “Não, eu não tenho em nada. Eu sou saudável”. Então existe esse problema de se ter a confiabilidade da informação que está sendo passada e sobre como essa distribuição foi feita. O Vigitel estima que em torno de 24%, 25% dos adultos são hipertensos, mas nós insistimos ainda que é cerca de um terço. O problema é que o número de crianças e adolescentes hipertensos está crescendo. E aí vem a história do aumento de peso, da comida inadequada, com quantidade elevada de sódio, falta de atividade física, que são todos fatores que se somam. Para quem tem predisposição genética para ter hipertensão, vai desenvolver antes até do que os próprios pais.
BN: Quais os impactos sociais que o crescimento de hipertensos pode causar?
FP: Existe um trabalho muito interessante que saiu em 2012, 2013, em que eles fazem uma comparação com os dados do relatório da Organização Mundial de Saúde de 2000. A hipertensão é classificada como doença crônica não transmissível, junto com diabetes, asma, câncer de mama… E eles colocam que a gravidade é tamanha porque os eventos, como AVC e infarto, não vão acontecer só no indivíduo mais idoso – como muitas vezes a população imagina. Esse trabalho fala que o aumento de eventos vasculares está sendo tanto, e tão importante, que provavelmente a população vai perder uma geração de pessoas produtivas para essas doenças. Porque as pessoas com idade mais jovem, que poderiam trabalhar e gerar dividendos para o país, vão ter tido uma complicação fatal ou incapacitante, e não vão poder trabalhar. Então as pessoas têm que se conscientizar que enfartar ou ter um AVC aos 40, 45 anos, não é uma coisa rara, não é uma exceção à regra. É muito mais frequente do que se possa imaginar. E isso compromete a renda, dinheiro de saúde pública, a qualidade de vida da família, vai fazer com que os filhos tenham que sair da escola para trabalhar mais cedo e sustentar a casa… Então esse é um problema socioeconômico muito grande. E precisa mudar esse conceito de que é só o velhinho que sofre do problema.

BN: Muitas crianças e adolescentes insistem em se alimentar com alimentos gordurosos, ricos em sódio… Como os pais podem fazer para equilibrar a alimentação dos filhos?
FP: Eu sempre brinco que o problema, quando se fala em alimentação de criança, é a avó, né?! (risos). Quando as avós cuidam, são muito mais complacentes: “Come um docinho, come tudo o que você gosta”. Brincadeira. O problema na alimentação da criança é que o paladar pelo sal, pelo açúcar, pela pimenta, vai vir com o paladar da mãe. Então a melhor forma de corrigir a dieta da criança é modificar a alimentação da família. Não adianta falar para o seu filho não comer batatinha chips se você estiver com um pacote do lado dele. Para corrigir esse erro alimentar, você, seu marido, os agregados, todos têm que mudar. E tem que dizer não, porque isso é prejudicial. Não adianta falar “meu filho é bonitinho, gordinho”. É gordinho hipertenso, dislipidêmico,com propensão a diabetes…
BN: Alguns jovens, mesmo que não estejam acima do peso, continuam com alimentação ruim, o que vai se refletir na saúde mais à frente. Então como mostrar para os jovens que, mesmo que não engordem, podem prejudicar a saúde?
FP: Isso é uma coisa de campanha educacional mesmo. Existem conceitos que precisam ser um pouco mais divulgados. Se uma pessoa tem uma alimentação muito irregular e não se alimenta dentro daquela cadeia de proteína, carboidrato e gordura adequada, existe um outro processo que é mexer com a imunidade dessa pessoa. Então ela pode ter quadros inflamatórios mais frequentes e graves, estar mais suscetíveis a doenças, o que resulta em problemas de saúde muito mais graves, até. Não é que você vai assustar, mas alertar. “Olha, se você não quer comer proteína, não quer comer gordura – que é indicado – você corre o risco a estar mais propenso a problemas que vão comprometer a sua saúde”. Caviar todo dia enjoa, então tem que comer um pouquinho de cada coisa. As pessoas dizem: “Ah, eu não tenho nada”. Tem sim. Se você não está fazendo as coisas como tem que ser, você está propiciando o desenvolvimento de complicações de outra maneira.

BN: E às vezes as pessoas esquecem que só porque você não tem nada agora, não quer dizer que as complicações não vão surgir mais à frente.
FP: Exato. Para você ter uma ideia, a gente sempre fala que, no que diz respeito à hipertensão, você nunca tem como determinar em que momento da vida as alterações começam a acontecer a ponto de levar a complicações. Nós nascemos com um monte de genes e eles vão criando o que a gente chama de genótipos intermediários. Um pode desenvolver mais cedo, outro mais tarde, o terceiro pode nunca desenvolver. Então não tem como dizer “se você tiver essa condição, aos 18 anos e 32 dias você vai desenvolver isso”. Esse é o grande problema dessa doença. Você descobre quando detecta, mas não sabe em que momento da sua vida o problema começou. Acredita-se que, desde o momento em que você nasce, você já pode começar a ter algum tipo de manifestação, porque ela é geneticamente determinada. Por exemplo: recém-nascido de baixo peso tem propensão a desenvolver. Inclusive existem crianças normotensas, filhas de pais hipertensos, que já têm uma pressão um pouquinho maior do que crianças filhas de pais normotensos. Então você vê que é uma coisa muito precoce. E aí essa criança come errado, um monte de porcaria, fica na frente da TV e acaba favorecendo a manifestação de condições ambientais para desenvolver a doença mais cedo, com mais risco de complicação.
BN: Existe algum mito em relação à hipertensão?
FP: Existem muitos. O que mais a gente fala é a história da dor de cabeça. As pessoas dizem que hipertensão dá sintoma. Não dá. E esse é o problema. Eu costumo dizer que, se você tem uma doença que coça, dá febre, fica vermelho e dói, você vai procurar um médico. Mas pressão alta não dá nada disso. Dor de cabeça é uma coisa absolutamente variada. Se eu tenho pressão alta e tenho uma dor, seja qual for, o mecanismo de dor pode fazer a pressão subir. Então, de novo, brincando: Nem tudo que reluz é ouro, nem toda dor de cabeça é pressão alta. Você pode ter um aumento de pressão por conta de um mecanismo de dor ou, eventualmente, ter uma dor de cabeça porque sua pressão está alta. Mas aí é um caso mais específico. Agora, dizer que dá tontura, falta de ar… Isso só acontece em casos extremos. No dia a dia, no grosso da população, ela é assintomática. Por isso que se diz que é uma assassina “silenciosa”. Esse é o principal mito, mas existem outros. Dizer que o organismo se acostuma com o remédio é bobagem. Você tem que adequar a dose. Tem outros também, mas esses são os mais comuns.
BN: O que um paciente que tem pressão alta deve fazer para evitar complicações?
FP: Ele deve fazer acompanhamento regular e tomar o remédio todos os dias, conforme o médico explicou. Se, eventualmente, houver algum efeito colateral, não pare. Procure um médico para adequar a dose. Se seu médico só pode atender em seis meses, vá a um posto ou a um serviço de saúde. Mas não pode perguntar pro vendedor da farmácia – nada contra o vendedor, mas ele não está habilitado para isso, só o farmacêutico. Também deve seguir a dieta e as regras básicas: diminuir sal, manter o peso, ter uma atividade física regular de meia hora todos os dias. O paciente é responsável pelo tratamento. O médico é o parceiro que vai orientar sobre qual conduta será tomada frente às situações que se apresentarem. Hoje também há as grandes redes de farmácias com medicamentos gratuitos, então acho que até a coisa do custo pode ser um mito. Porque se você tem uma variedade tão grande de medicamentos hoje, não pode ser tão caro. E às vezes uma complicação pode ser mais cara ainda.
BN: E o que as pessoas que não têm hipertensão podem fazer para evitar esse problema?
FP: A recomendação é medir a pressão ao menos uma vez por ano. Porque se você não medir, não vai saber que se tem ou não. Se mediu, está mais ou menos e você sabe que está acima do peso, primeiro pode controlar a dieta, diminuir sal, fazer atividade física… Isso vale para todo mundo. Porque ter uma saúde boa é para todos, não é privilégio para quem tem pressão alta. Se mediu e deu alta, procura um médico, vê se precisa iniciar o remédio ou se as medidas não farmacológicas podem ser suficientes nesse momento. Perder peso, em uma população como a brasileira que tem 40% de sobrepeso e mais 20% de obesos, é fundamental. Perder peso diminui a pressão que é uma maravilha. Aliás, você tem que manter um bom peso. Eu brinco que se você perder peso, corre o risco de achar (risos). Essa é a melhor medida que tem para diminuir pressão. Como fazer isso? Caminhar nessa praia maravilhosa que vocês têm aqui em Salvador, aproveitar as oportunidades que tiver de comer em casa, diminuir gordura e sal… Ter uma condição de vida saudável. Isso é fundamental. E, se precisar, procurar um médico porque assim você terá uma vida muito mais longa. Afinal, você não quer parar de fazer as suas coisas aos 40, 50 anos.
Bahia Notícias: Você é diretora científica da SBH, que este ano fez uma parceria internacional para a realização do XXII Congresso Brasileiro de Hipertensão e o XX Congresso da Sociedade Interamericana de Hipertensão . Qual é o foco desses eventos?
Frida Plavnik: Na verdade, o foco desse evento é a hipertensão arterial, conhecida como pressão alta. A Sociedade Brasileira de Hipertensão engloba médicos de diversas áreas: cardiologistas, nefrologistas, endocrinologistas – por causa da diabetes e da síndrome metabólica – tem alguns neurologistas – por conta dos acidentes vasculares cerebrais ou derrames… Além disso, temos profissionais de enfermagem, educação física, nutrição… Enfim, as áreas de saúde que são afins dessa doença. A hipertensão não é só uma questão de número, 12 por 8, 13 por 9… O número faz parte de um contexto com outras tantas condições, que nós chamamos de fator de risco, como diabetes, obesidade, tabagismo ou idade, que colaboram para o aumento da doença cardiovascular (infarto, derrame, insuficiência cardíaca) ou da necessidade de diálise para doenças renais, que são as complicações. Então focamos em todos esses fatores.
BN: Quem estuda sobre hipertensão tem uma área específica?
FP: Então… Aqui nós temos sessões que vão tratar hipertensão e coração, hipertensão e cérebro, uma geral, em que se discute como abordar o paciente hipertenso… Além disso, nós dizemos que não estudamos hipertensão só em humanos. Temos o que se chama de área básica, com farmacologista, fisiologista, biomédico e outros profissionais de áreas afins que vão estudar e tentar entender os mecanismos que levam a essa doença. E a gente vai traduzir na clínica o que a área básica nos informa. Então é uma coisa bem complexa. E esse ano, especificamente, com muita felicidade aqui em Salvador, nós fizemos um congresso em conjunto com a sociedade interamericana de hipertensão. Então teremos um grupo de especialistas muito renomados, da Europa, dos Estados Unidos, que têm uma linha de pesquisa em hipertensão extremamente abrangente.
BN: Algumas pessoas acreditam que o conhecimento científico no Brasil acaba sendo levado para fora do país. Qual a importância de trazer esse congresso internacional para Salvador?
FP: Na verdade, a gente não leva a informação ou a pesquisa para fora. Nesses encontros, além de você aprender coisas que são feitas lá fora e que a gente não tem, ao estreitar laços com investigadores desse calibre, você manda os alunos para lá para depois continuarem os estudos aqui. Então essa interação com a interamericana permite isso. Até porque essas pessoas são extremamente acessíveis, parceiros mesmo, e você consegue melhorar o entendimento da situação, da condição e oferecer novas possibilidades de estudo e de conduta.

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