Em relação à alimentação como base para saúde, muitos pacientes acometidos por este conjunto heterogêneo de doenças buscam por alternativas na sua dieta como uma forma de diminuir o processo inflamatório que se mantém ou até mesmo para diminuir o risco de complicações. Porém, ainda é precoce e inconclusivo estabelecer recomendações de exclusão ou restrição de dietas específicas e padronizadas com a finalidade de tratar ou evitar o agravamento dessas doenças. Porém, a falta de associações mais claras dessas doenças com a nutrição não anula a necessidade de boas escolhas alimentares associadas com práticas de atividade física, garantindo uma qualidade de vida.
Pacientes com doenças relacionadas ao sistema imune possuem um risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares aumentado comparado com a população geral, isso é um fato que deve ser considerado essencial para adoção de hábitos saudáveis pelos pacientes. É importante reiterar os pontos muito bem retratados no “Guia Alimentar para população brasileira”, que uma alimentação balanceada deve ser baseada no consumo de alimentos in natura e minimamente processados (frutas, hortaliças, cereais, tubérculos, leguminosas, legumes, carnes, ovos) e com consumo limitado de alimentos ultraprocessados (alimentos industrializados que, de maneira geral, são desbalanceados nutricionalmente, ricos em sódio, gorduras de má qualidade, açúcares simples e aditivos alimentares). Já é bem estabelecido que a “dieta ocidental” – com alto consumo de ultraprocessados, sódio, açúcares, gordura e proteína animal – está associada com uma influência negativa em células do sistema imune, que são fundamentais para o controle das respostas inflamatórias e modulação do sistema imune. Além disso, algumas vitaminas (A, B6, B12, folato, C, D e E) e oligoelementos (zinco, cobre, selênio, ferro) são indispensáveis para um bom desempenho da função imune.
Um estudo feito pela Universidade de São Paulo, já evidenciou um aumento do risco cardiometabólico em pacientes que possuem artrite reumatóide, caracterizados por um consumo maior de alimentos ultraprocessados. Enquanto os pacientes que também eram acometidos pela doença, mas consumiam mais alimentos in natura, ou seja, tinham uma alimentação mais natural, possuíam um risco menor. Além disso, já foi demonstrado previamente pelo nosso grupo de estudos que pacientes com doença de Crohn apresentaram uma alta prevalência de sobrepeso e obesidade, levando a um aumento do risco principalmente para doenças cardiovasculares, além de estarem mais suscetíveis à doença ativa e a hospitalização. Também foi observado inadequação dos níveis séricos de nutrientes importantes entre esses pacientes, como ferro e zinco. Nossa pesquisa também demonstrou que pacientes na fase ativa da doença e aqueles que apresentavam um maior número de sintomas, consumiam com maior frequência alimentos pertencentes ao grupo de ultraprocessados, como o suco industrializado e refrigerante. Esses dados nos mostram a necessidade de um aconselhamento nutricional adequado, a fim de melhorar a terapia dietética e a qualidade de vida desses pacientes.
Diante do atual cenário da pandemia do novo CORONAVÍRUS, as informações relacionadas à alimentação e nutrição têm se propagado de forma muito rápida, inclusive no contexto das doenças relacionadas ao sistema imune. Com o intuito de melhorar a imunidade e reduzir os efeitos causados pela infecção do vírus, o uso de suplementos alimentares tem sido discutido e até mesmo divulgado por meios não oficiais e sem respaldo científico. Porém, é importante destacar que, até o momento, não há evidências científicas demonstrando que a suplementação possa exercer um papel protetor ou terapêutico em relação à infecção da COVID-19, nem mesmo que um superalimento ou fórmula nutricional possa alcançar esse objetivo.
Portanto, a orientação para esses pacientes é que sigam um padrão de alimentação que forneça todos os nutrientes importantes para manter um bom funcionamento do sistema imune, evitando componentes alimentares capazes de estimular o sistema imunológico, como aqueles presentes em produtos processados e ultraprocessados, que podem levar ao desenvolvimento de doenças crônicas, especialmente a obesidade. Além disso, o consumo deliberado desses alimentos pode aumentar o risco de deficiências nutricionais. Vale ressaltar que as orientações devem ser individualizadas levando-se em consideração todas as dimensões biopsicossocioculturais envolvidas nas escolhas alimentares, como estilo de vida, crenças, intolerâncias, acesso aos alimentos e outros.
Referências:
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