COVID-19: por que pessoas idosas têm um quadro mais grave?

Alterações no funcionamento do sistema imune e maior prevalência de comorbidades estão entre os fatores que ocasionam uma manifestação mais séria da COVID-19 em idosos.

A COVID-19, doença respiratória causada pelo vírus SARS-CoV-2, é a maior pandemia dos últimos 100 anos. Apesar de acometer indivíduos de todas as idades, o quadro provocado pelo vírus não é igual em todas as pessoas e você certamente já ouviu, leu ou assistiu que a gravidade da doença aumenta proporcionalmente à idade.

Mas por que razão pessoas idosas têm um quadro mais severo da doença?
A ciência tem uma explicação para isso?

Primeiro, é fundamental entender que o conhecimento científico é fruto de uma construção coletiva na qual diversos cientistas produzem informações que vão se somando umas às outras. Essas informações devem ser reproduzidas (ou seja, resultados semelhantes precisam ser obtidos) por outros cientistas para que sejam amplamente aceitas pela comunidade científica. Então, quanto mais tempo passa, mais sabemos sobre um determinado tópico. Como a COVID-19 é uma enfermidade nova, nossa compreensão sobre ela ainda é relativamente limitada. Apesar disso, milhares de cientistas ao redor do mundo têm se dedicado incansavelmente a produzir conhecimento tanto sobre a doença quanto sobre o vírus que a causa.

Nesse sentido, já são conhecidos alguns fatores que contribuem para que o novo coronavírus provoque um quadro mais preocupante em idosos. Dado que muitas mudanças fisiológicas acontecem ao mesmo tempo conforme envelhecemos, é provável que não exista um “único culpado”, sendo na realidade um fenômeno de múltiplas causas.

Sabe-se, por exemplo, que algumas comorbidades (como diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, hipertensão, doenças respiratórias crônicas e doença renal crônica, entre outras) estão associadas a uma manifestação mais agressiva da COVID-19 e pessoas idosas em geral têm mais comorbidades. Essas patologias em geral são acompanhadas por alterações danosas no funcionamento do sistema imune e podem fazer com que o indivíduo tenha uma resposta imune inadequada. Além disso, algumas dessas doenças, como a hipertensão e a obesidade, provocam um constante estado de inflamação elevada, o que pode resultar em ainda mais dano ao organismo quando ocorre uma infecção.

Somada a isso, uma outra condição que ocorre durante o envelhecimento é a chamada “imunossenescência”, palavra que descreve um declínio nas funções do sistema imune relacionado ao envelhecimento, incluindo a perda de competência para reconhecer patógenos e combater infecções no geral, principalmente patógenos com os quais ele não teve contato anteriormente, como é o caso do novo coronavírus. Na COVID-19 (bem como em outras doenças), esse processo favorece a replicação do agente invasor (o vírus SARS-CoV-2, neste caso), aumentando a carga viral e intensificando sua virulência. Em consequência do maior número de partículas virais no organismo, ocorre um profundo aumento de moléculas que promovem inflamação (as “citocinas”), como uma tentativa do corpo de destruir o patógeno.

O papel da inflamação no quadro grave da COVID-19

A inflamação é um processo fisiológico importante que nosso corpo utiliza para combater micro-organismos invasores. Entretanto, quando ocorre em excesso, torna-se prejudicial e patológico. Uma das complicações do envelhecimento é a ocorrência de um aumento de citocinas, que promove um estado constante de inflamação (chamado em inglês de inflammaging”). Desse modo, a inflamação causada por imunossenescência, alta carga viral e comorbidades se soma a esse constante estado pró-inflamatório, levando a um fenômeno chamado “tempestade de citocinas”, que em última instância pode causar grave dano aos tecidos. Contraditoriamente, uma resposta que deveria ser adequada para proteger o organismo de agentes externos é desregulada durante o envelhecimento e acaba resultando em danos ao próprio organismo.

Com efeito, um número crescente de estudos tem demonstrado recentemente que parte da maior letalidade do novo coronavírus em idosos é consequência do dano celular causado pela “tempestade de citocinas”. Essa descoberta pode fomentar o desenvolvimento de fármacos que inibam citocinas específicas envolvidas nesse processo na tentativa de amenizar o quadro crítico de COVID-19 em idosos e pessoas com comorbidades anteriores, dessa forma diminuindo a mortalidade da doença nesses grupos.

Então o que eu posso fazer?

Apesar da ideia de remédios ou prevenções milagrosas para a COVID-19 ser tentadora, o melhor a se fazer para proteger os idosos, as pessoas com comorbidades e a população em geral é defender os investimentos na ciência e reduzir o risco de contrair COVID-19. Para isso, é importante seguir as orientações que já foram comprovadas diminuir o contágio. Algumas delas são:

  • evitar aglomerações
  • sempre usar máscara quando em contato com outras pessoas e/ou quando fora de casa
  • lavar constantemente as mãos com água corrente e sabão (ou higienizá-las com álcool 70%)
  • caso identifique sintomas de COVID-19, procurar se isolar e buscar ajuda médica o mais rapidamente possível

É oportuno ressaltar que o isolamento social favorece a inatividade física e uma piora nos hábitos, o que pode levar a um comprometimento da saúde, principalmente do sistema imune. Diante disso, é importante estar atento e se educar para manter hábitos saudáveis como:

  • Praticar exercícios físicos de intensidade moderada (com acompanhamento médico no caso de indivíduos que não praticavam antes)
  • Ter sono adequado e suficiente
  • Alimentar-se de forma saudável e balanceada
  • Ingerir água suficiente todos os dias

Seguindo esses hábitos e tomando as precauções para reduzir o contágio, é possível manter o número de casos sob controle até que uma vacina eficaz esteja disponível e toda a população seja imunizada e protegida.

Referências:

CDC. Center for Disease Control and Prevention, 2020. Older Adults. Disponível em: <https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/need-extra-precautions/older-adults.html>. Acesso em: 31 de out. de 2020.

Fulop T, Larbi A, Dupuis G, et al. Immunosenescence and Inflamm-Aging As Two Sides of the Same Coin: Friends or Foes?. Front Immunol. 2018;8:1960. Published 2018 Jan 10. doi:10.3389/fimmu.2017.01960

Mueller AL, McNamara MS, Sinclair DA. Why does COVID-19 disproportionately affect older people?. Aging (Albany NY). 2020;12(10):9959-9981. doi:10.18632/aging.103344

Shahid Z, Kalayanamitra R, McClafferty B, et al. COVID-19 and Older Adults: What We Know. J Am Geriatr Soc. 2020;68(5):926-929. doi:10.1111/jgs.16472

WHO. World Health Organization — Europe, 2020. Statement – Older people are at highest risk from COVID-19, but all must act to prevent community spread. Disponível em: < https://www.euro.who.int/en/health-topics/health-emergencies/coronavirus-covid-19/statements/statement-older-people-are-at-highest-risk-from-covid-19,-but-all-must-act-to-prevent-community-spread>. Acesso em: 31 de out. de 2020.

Zhou Y, Yang Q, Chi J, et al. Comorbidities and the risk of severe or fatal outcomes associated with coronavirus disease 2019: A systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;99:47-56. doi:10.1016/j.ijid.2020.07.029

 

SOBRE O AUTOR:

Guilherme Tonon-da-Silva
Biomédico e Mestre em Genética e Biologia Molecular (IB/UNICAMP), Doutorando em Genética e Biologia Molecular (IB/UNICAMP) e aluno do Laboratório de Biologia do Envelhecimento (LaBE) da mesma Universidade. Estuda como a restrição calórica melhora a saúde durante o envelhecimento e qual é a participação dos miRNAs (pequenas moléculas de RNA não-codificante com função regulatória) nesse processo.

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