Qual a relação da cozinha com os hábitos alimentares na infância?
A construção dos hábitos alimentares, da infância até a adolescência, é resultado de diferentes fatores físicos, sociais e emocionais que envolvem o ambiente familiar e social. Estudos têm reforçado que a inclusão dos filhos nas práticas culinárias da família tem levado à formação de hábitos saudáveis, como escolhas alimentares, realização de atividade física e menor risco de desenvolver obesidade, pois fornecem as informações adequadas que os aproxima de escolhas mais saudáveis. Com isso, a criança passa a ter contato com novos alimentos, sabores e texturas, tornando a sua alimentação ainda mais diversificada e melhorando seu aporte nutricional.
A cozinha em tempos de pandemia.
O isolamento social, decorrente da atual pandemia do Coronavírus, e os inúmeros reality shows culinários, como o famoso Masterchef, tem despertado cada vez mais nas pessoas a curiosidade de desenvolver e aprimorar suas habilidades culinárias, em meio ao tempo ocioso. É fato que a cozinha tem se tornado uma válvula de escape para uns, mas cozinhar tem se tornado mais frequente na rotina da maior parte das famílias, diante do maior tempo em casa e dos riscos de higiene relacionados ao delivery. Junto a isso, a alimentação saudável tem ganhado mais espaço e se tornado tema constante nas mídias, destacando sua relação com a imunidade, o que tem levado muitas famílias a se preocuparem mais com o que é levado à suas mesas, especialmente o que seus filhos comem.
Mas o que os estudos trazem sobre os métodos inclusivos e interativos?
Em meio a alta visibilidade que a cozinha tem recebido, trouxemos a proposta de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Augusta, na Georgia. A pesquisa envolveu pais e filhos e propôs uma abordagem inclusiva e interativa de promoção da educação alimentar e nutricional. No estudo foi utilizado o método TEACH Kitchen, do inglês “The Eating and Cooking Healthy Kitchen”, no português essa expressão pode ser traduzida como “O comer e cozinhar saudável na cozinha”.
Nessa proposta, durante 4 sessões de 2 horas cada, os participantes receberam orientações nutricionais diversas, mas também puderam interagir através da preparação de receitas saudáveis na cozinha e conversar após a refeição. Os pais e filhos que participaram da pesquisa passaram a entender melhor a importância da alimentação na promoção da saúde, especialmente seu papel no combate a obesidade e outras complicações de saúde.
Outro estudo publicado também por pesquisadores norte-americanos, mas da Universidade de Minnesota, reuniu resultados interessantes e que reforçam a importância do ensino da culinária no ambiente escolar, através de diferentes metodologias. De maneira geral, os pais das crianças envolvidas nos estudos relataram que as intervenções ajudaram seus filhos a experimentar novos alimentos, aumentar o consumo de vegetais e frutas, melhorar a ingestão de fibras e participar na preparação das refeições em família.
Um estudo brasileiro publicado em 2020, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), investigou a influência da transmissão de conhecimentos e práticas culinários maternas na trajetória e relação de suas filhas com a cozinha. Os resultados desse estudo apontam que a cozinha também é um ambiente que fortalece a memória afetiva e proporciona a aproximação entre mãe e filha. Esse laço criado entre mães e filhas, inclusive, permite que algumas das entrevistadas relatem em detalhes a forma como as receitas eram preparadas, desde o uso de temperos, aplicação de técnicas culinárias e ingredientes. A preservação dessa memória e afeto com a cozinha materna acontece mesmo em meio ao contexto atual, na qual nova geração (as filhas) de mulheres tem alcançado cada vez mais visibilidade e espaço na sociedade, o que naturalmente provoca o afastamento da cozinha.
No Brasil, a adesão à métodos inclusivos ainda é baixa, mas algumas escolas e organizações de saúde tem discutido a necessidade de incluir a alimentação e nutrição na grade curricular. No intuito de buscar a aproximação da criança com a alimentação saudável e adequada, as escolas vêm, aos poucos, incluindo nutricionistas no seu quadro de colaboradores e propondo oficinas culinárias, visitas a fazendas e agricultores, criação de hortas escolares, entre outras ações educativas e inclusivas que incentivam a formação de hábitos alimentares saudáveis. Com isso, é possível observar, além dos benefícios no desenvolvimento cognitivo (aprendizado), sensorial e motor, o despertar da consciência ambiental nas crianças.
O que o guia alimentar traz sobre essas estratégias?
Segundo a última atualização do Guia Alimentar para População Brasileira, que traz recomendações sobre a alimentação saudável e adequada, as práticas culinárias fazem parte da identidade cultural de uma determinada população. No Brasil, em especial, apresentamos uma grande diversidade de influências culturais, como africanas, indígenas, portuguesas, dentre outras, que contribuem na formação da nossa base alimentar, que na grande maioria deve ser composta de alimentos in natura ou minimamente processados. O Guia Alimentar destaca ainda que as práticas culinárias inclusivas podem fortalecer o elo cultural da criança com a comida. Além disso, contribui para redução no consumo de produtos processados e as afasta cada vez mais dos ultraprocessados, que são produtos considerados prejudiciais à saúde (Matéria sobre ultraprocessados). Outro ponto importante é que a criança tem maior aproximação com os alimentos, desde a seleção dos ingredientes até o desenvolvimento da receita, conhecendo não só seu aroma, textura e sabor, mas também a importância da higiene dos alimentos, entre outras habilidades.
Abaixo nós disponibilizamos uma cartilha com sugestões de receitas saudáveis, as quais os pais podem desenvolver com seus filhos, contando com dicas nutricionais que podem enriquecer ainda mais essa experiência. Essa cartilha foi elaborada por nutricionistas e docentes do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Referências:
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.
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Mazzoneto AN, Le Bourlegat IS, dos Santos JLG, Spence M, Dean M, Fiates GMR. Finding my own way in the kitchen from maternal influence and beyond – a grounded theory study based on Brazilian women’s life stories. Appetite, 2020; 150:104677. DOI: https://doi.org/10.1016/j.appet.2020.104677.
SOBRE OS AUTORES: Wenicios Ferreira Chaves Franciely da Silva Alves |