Nutricionista constata que o substrato ativa áreas sensoriais e relacionadas ao comportamento.
Pesquisa realizada pela nutricionista Gabriela Kaiser Fullin Castanho junto à Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, orientada pela professora Paula Teixeira Fernandes, do Departamento de Ciência do Esporte, propôs-se a avaliar o efeito do consumo de carboidrato na ativação cerebral durante exercício físico. Sabe-se que carboidratos estão relacionados com o melhor desempenho esportivo. Por vias diretas ou indiretas, o substrato mantém a glicemia, poupa glicogênio, repõe glicogênio muscular e também exerce papel importante no cérebro como fonte de energia, podendo melhorar a função neural durante exercícios físicos. É possível também que, com o consumo de carboidratos, ocorra diferenciação na ativação de outras áreas cerebrais relacionadas ao desempenho no exercício.
A nutrição adequada tem sido relacionada ao melhor desempenho esportivo, sendo a dieta variada em carboidrato, proteína, gordura e micronutrientes, importante para a manutenção da saúde e para a melhora do desempenho. Estudos têm mostrado que o melhor substrato para a prática de exercício físico é o carboidrato, o que torna imprescindível que atletas adotem estratégias adequadas para o seu consumo antes, durante e depois de treinos e competições. Sabe-se que o aumento da concentração de serotonina no cérebro, durante exercício físico intenso e prolongado, leva ao desenvolvimento da fadiga e consequente diminuição do desempenho. A suplementação com carboidrato contribui para a diminuição da serotonina, o que pode levar ao retardamento dos sintomas de fadiga.
Quando Gabriela chegou ao Departamento de Ciência do Esporte da FEF para a pós-graduação, encontrou proposta envolvendo estudo conjunto com o Departamento de Neurologia do HC, que procurava relacionar modificações no cérebro em decorrência do exercício. Trata-se de uma abordagem ainda nova envolvendo a chamada neurociência do esporte. Ela então teve a ideia de estudar alguns nutrientes e avaliar suas influências no cérebro durante o exercício para beneficiar o rendimento. E explica: “Como o carboidrato é a fonte energética mais estudada, constituindo 60% a 70% da fonte de energia do organismo, achamos mais interessante começar com ele antes de partir para outras substâncias”.
Com base nesse quadro, o estudo objetivou avaliar o efeito do consumo de carboidrato na ativação cerebral por ocasião do exercício físico realizado durante a aquisição de ressonância magnética funcional (RMf), que permite acompanhar o funcionamento do cérebro. A RMf constitui uma modalidade da neuroimagem que possibilita determinar alterações do estado funcional do cérebro de forma não invasiva, constituindo-se uma ferramenta capaz de detectar e dimensionar a atividade metabólica em função de sinal relacionado ao nível de oxigênio do sangue. Com a técnica de RMf é possível descobrir quais áreas cerebrais específicas apresentam alterações relativas ao oxigênio causadas por modificações na atividade neural.
A RMf permite tomadas de regiões do cérebro em frações de segundo, possibilitando acompanhar, como em um conjunto de fotografias instantâneas, o seu funcionamento em momentos muito próximos, permitindo a detecção de regiões mais ativas, menos ativas e até relativamente inativas. Isso é feito através do que se chama de sinal de oxigênio dependente, porque a área mais ativa consome mais oxigênio e glicose. A RM atua através do sinal dado pelo consumo de oxigênio, que se mostra maior ou menor de acordo com a atividade da área.
A pesquisa contou com a participação de dez ciclistas voluntários do sexo masculino que realizaram protocolo de pedalada em cicloergometro acoplado à RMf em que consumiam 50g de carboidrato (maltodextrina) ou solução placebo (um suco dietético sem carboidrato), com paladar similar ao carboidrato, no intervalo de duas séries de exercícios. Ela comparou as imagens da RMf desses mesmos atletas antes que fizessem uso do carboidrato ou do placebo com as obtidas depois do consumo de cada um deles separadamente.
Este complexo estudo orientado pela professora Paula Teixeira Fernandes contou com a colaboração do físico médico Brunno Machado de Campos, funcionário do Departamento de Neurologia a FCM da Unicamp, que participou da análise de interpretação dos dados coletados, e do educador físico Eduardo Bodnariuc Fontes, idealizador do protótipo, aluno de pós-doutorado do mesmo Departamento de Neurologia.
Resultados
A pesquisadora constatou que tanto o carboidrato como o placebo utilizados ativaram áreas sensoriais e relacionadas ao comportamento, embora o carboidrato se tivesse distinguido por ativar outras duas áreas importantes em relação ao desempenho no exercício relacionadas a motivações, emoções e tomadas de decisões, o que o placebo não fez.
Como esperado, durante as fases dos exercícios em que os atletas não recebiam carboidrato nem placebo, o cérebro apresentava interatividade mais pronunciada principalmente nas áreas relacionadas ao movimento, que são o cerebelo e o lobo frontal. Com o consumo do carboidrato também se mostraram ativadas áreas relacionadas à motivação, a tomadas de decisões, a emoções. Isto não era observado quando ocorria a administração de placebo, embora continuassem devidamente ativadas as áreas restritas aos movimentos.
A propósito, Gabriela lembra que se sabe que o substrato carboidrato contribui para estimular o atleta no exercício. O estudo então pretendeu verificar que áreas do cérebro se mostravam efetivamente ativas para exercer essa interação. Nos estudos de neurociência considera-se a possibilidade de o cérebro atuar como sinalizador para o organismo quanto à possibilidade de prosseguir no esforço ou interrompê-lo. É ele que determina o momento em que o exercício deve ser interrompido por falta energia ou o estimula diante dos sinais de que as reservas energéticas são suficientes.
A pesquisadora esclarece que o efeito do consumo de carboidrato se manifesta não apenas na parte periférica do organismo, constituída por nervos, músculos, órgãos, tecidos, mas também no cérebro e no sistema nervoso central. Ela conclui daí que as ativações constatadas em certas regiões do cérebro pelo consumo de carboidrato podem explicar a manutenção e até aparente superação do atleta durante o exercício físico.
Para Gabriela, ao comparar o efeito do carboidrato e do placebo na atividade das áreas cerebrais, o estudo apresentou resultados satisfatórios ao mostrar que o carboidrato ativou áreas relacionadas à tomada de decisões e motivações, fatores cruciais para o rendimento esportivo. Embora o placebo tenha apresentado papel importante na ativação de áreas relacionadas ao estado psicológico, não mostrou benefícios para o exercício.