Jejum intermitente: realmente uma boa estratégia para a perda de peso?

Apesar da popularidade do jejum intermitente, estudos com humanos mostram perda de peso similar em comparação com a restrição calórica normal. Falta de estudos com maior tempo de duração nos impede de concluir o real benefício dessa prática principalmente com relação a manutenção do peso perdido a longo prazo.

Quem nunca quis perder alguns quilinhos e buscou na internet a melhor dieta para esse fim que atire a primeira pedra! É muito comum nos depararmos com esse tipo de informação na web onde várias dietas já foram apontadas como a salvadora da pátria. Nos últimos anos, foi evidenciado pela mídia os diversos efeitos positivos do jejum intermitente não só para o emagrecimento, mas também para melhora de alguns parâmetros metabólicos, como níveis de colesterol e pressão, por exemplo. Mas será que o jejum intermitente é mesmo melhor para perda de peso do que uma redução de calorias comum?

Antes de mais nada é importante definir o jejum intermitente que consiste em um padrão de dieta no qual o indivíduo passa por períodos de jejum intercalados por momentos de ingestão alimentar normal. Existem alguns protocolos descritos na literatura, dentre eles os mais estudados são: jejum de dias alternados (0-500 kcal por dia de jejum alternando o próximo dia com alimentação normal), dieta 5:2 (2 dias de jejum e 5 dias de alimentação normal) e jejum com restrição de tempo (alimentação realizada dentro de um período de tempo específico durante o dia), os quais já foram relacionados com perda de peso e melhora da saúde metabólica com um todo.

De fato, estudos em animais e humanos mostraram que essa prática foi associada com redução no peso, alterações na composição corporal, melhora nos níveis de açúcar no sangue e dos marcadores de risco cardiovascular.  Mas qual seria o mecanismo por trás desses possíveis benefícios? Na verdade, a possível justificativa para isso é que durante o jejum para a manutenção das funções do nosso corpo ocorre a mudança da utilização de carboidrato para a utilização de cetonas e ácidos graxos como principal fonte de energia favorecendo uma adaptação metabólica que contribui para a melhora da composição corporal e dos parâmetros metabólicos citados acima.  No entanto, é importante ressaltar que os dados disponíveis com relação a prática do jejum intermitente até o momento são baseados em resultados obtidos em estudos realizados em modelo animal e ensaios clínicos com número reduzidos de participantes acompanhados por curto período de tempo, o que não nos permite conclusões com relação a sustentação do peso perdido bem como recomendar com segurança essa prática em seres humanos.

Ademais, apesar dos diversos benefícios evidenciados pela mídia, alguns efeitos colaterais também já foram descritos, dentre eles, tontura, fraqueza, bem como hipoglicemia, principalmente nas pessoas com diabetes em uso de insulina ou medicamentos orais. É importante destacar também que o jejum prolongado pode levar a destruição de proteínas musculares para gerar glicose favorecendo a perda de massa magra, fator que pode ser minimizado com a realização de exercício de força; e que essa prática pode ser contraindicada nas seguintes situações: gestação, lactação, crianças, idosos, pessoas com deficiências do sistema imune e em risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Portanto, a realização desse tipo de dieta deve sempre ser supervisionada por um profissional de saúde capacitado, sendo que o nutricionista antes de indicar essa prática deve sempre avaliar o histórico de vida e alimentar do seu paciente para verificar se o jejum intermitente seria uma conduta nutricional adequada.

Jejum intermitente não é melhor para a perda de peso do que uma restrição de calorias tradicional

Embora encontramos na internet diversas matérias evidenciando o efeito positivo desse tipo de dieta, as evidências científicas atuais apontam que o grau de perda de peso alcançado com o jejum intermitente não é superior àquele atingido com as abordagens tradicionais de dieta. Chamo atenção para o estudo publicado recentemente pelo prestigiado New England Journal of Medicine, onde foi comparado a restrição calórica comum com um regime de alimentação com a restrição de tempo (alimentação diária realizada das 08:00 às 16:00), onde não foi observado diferenças significativas na quantidade de peso perdido bem como na quantidade de gordura corporal, sugerindo que qualquer balanço energético negativo (quantidade de calorias consumida menos quantidade de calorias gasta) pode contribuir para perda de peso e melhora de parâmetros metabólicos, sendo a dieta mais eficaz aquela que pode ser seguida a longo prazo favorecendo a perda sustentada de peso.

Como mensagem final, é importante lembrar que precisamos olhar com cautela as informações de saúde disseminadas pela mídia. Até o momento, o melhor caminho para o emagrecimento saudável e sustentado continua sendo a construção de hábitos alimentares saudáveis em conjunto com a prática de atividade física regular que devem ser seguidos por toda a vida, dificilmente as dietas muito restritivas são sustentáveis a longo prazo. Com relação ao jejum intermitente, faltam estudos clínicos bem desenhados, com períodos de acompanhamento maiores e com protocolos bem definidos que comparem o jejum intermitente versus a restrição calórica comum e respondam questões referentes a eficácia dessa prática na saúde metabólica, seus efeitos adversos, bem como a manutenção do peso perdido. Antes desses estudos, não se pode recomendar com segurança a sua realização.

Referências:
Varady, K.A, Cienfuegos, S., Ezpeleta, M., Kelsey Gabel. Clinical applications of intermitente fasting for weight loss: progress and future directions. Nature Reviews Endocrinology, v.18, p. 309-321, 2022. DOI: 10.1038/s41574-022-00638-x

Deying, L. et al. Calorie Restriction with or without Time-Restricted Eating in weight Loss. The New England Jornal of Medicine 2022; 386: 1495-504. DOI: 10.1056/NEJMra1905136

ASBRAN. Parecer técnico 01/2019. Brasília: Associação Brasileira de Nutrição, 05 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://www.asbran.org.br/storage/downloads/files/2019/08/parecer-jejum-intermitente-1567189454.pdf

SOBRE A AUTORA:

Maria Eduarda Martelli
Nutricionista e Mestra em Ciências da Nutrição do Esporte e metabolismo (FCA-UNICAMP), Doutoranda em Clínica Médica (FCM-UNICAMP) e aluna do Laboratório de Investigação do Metabolismo e Diabetes, vinculado ao Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades. Atua em pesquisa clínica na área de obesidade e suas complicações metabólicas com foco no tecido adiposo marrom.

 

 

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