Vitamina D, aterosclerose e COVID-19: qual a relação?

A deficiência de vitamina D evidenciada em indivíduos com aterosclerose e covid-19 tem levantado algumas hipóteses sobre a possível relação com estas doenças.

Os primeiros casos de coronavírus-2019 (COVID-19), em Wuhan na China, foram identificados devido ao aumento repentino de indivíduos diagnosticados com pneumonia naquela região. Posteriormente, cerca de 3 meses a partir do surto, a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou pandemia de acordo com a rápida disseminação do vírus zoonótico transmissível entre seres humanos, e causador da síndrome respiratória aguda grave, o SARS-COV-2. Logo nos primeiros relatos da doença, verificou-se a maior letalidade em indivíduos idosos e com comorbidades (doenças preexistentes).

 No entanto, além da elevada transmissibilidade, esta infecção respiratória também atraiu a atenção de especialistas, devido aos seus efeitos inflamatórios sistêmicos, manifestados principalmente naquele grupo de indivíduos hospitalizados com sintomas graves da doença. Em outras palavras, naquela oportunidade iniciava o entendimento de que a resposta inflamatória à COVID-19, estaria associada a efeitos multifatoriais, ou seja, efeitos dependentes de características genéticas e ambientais complexas, os quais poderiam influenciar na intensificação dos sintomas e danos provocadas pela doença. Esta nova premissa permitiu observar mais atentamente que o dano causado pelo SARS-COV-2 não se restringiria apenas ao sistema respiratório, mas a diferentes tipos celulares, oriundos de diversos sistemas responsáveis pelas funções vitais do corpo humano, a exemplo os sistemas: cardiovascular, nervoso, hematológico e renal.

Evidências científicas a partir de material biológico coletado de indivíduos infectados, mostraram que a COVID-19 pode manifestar um tipo particular de inflamação, caracterizada pelo aumento da quantidade de citocinas (moléculas inflamatórias) circulantes. E, são estas citocinas, dotadas de grande capacidade de sinalização (deslocamento), as quais realizam a comunicação entre células distintas, desta forma, imprimindo um processo patológico com alcance em diversos sistemas do organismo.

Em doenças cardiovasculares (CVCs) e cerebrovasculares (CBVs), as citocinas também propiciam um importante papel na progressão de seus efeitos deletérios. A aterosclerose, manifestação comum às doenças CVCs e CBVs, corresponde ao processo de inflamação crônica com perda da capacidade de dilatação dos vasos, formação de placas gordurosas e lesões vasculares, responsáveis por acometimentos que resultam no infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC) (1, 2).

Neste sentido, muitos pesquisadores defendem que a redução destas citocinas inflamatórias, resultaria em melhora significativa do quadro clínico de indivíduos em estágio avançado da aterosclerose, assim como, nos casos de sintomas severos da COVID-19 (3). Portanto, o controle do processo inflamatório tem sido o ponto crucial na proposição de tratamentos para ambas as doenças. Em um possível quadro clínico, o qual pacientes com estágio avançado de aterosclerose sejam contaminados com SARS-COV-2, os sintomas manifestados pela COVID-19 poderiam ser agravados devido a sobrecarga ao sistema de defesa imune dos indivíduos.

Desde a última década, vem ocorrendo um aumento do número de estudos que associam a deficiência de vitamina D a manifestação da aterosclerose, a partir de efeitos associados a inflamação (1). Mais recentemente, surgiu uma nova vertente de estudos que verificaram a relação (correlação) entre a deficiência de vitamina D e severidade dos casos de COVID-19 (4). Estes efeitos poderiam ser ainda mais expressivos na população idosa, a qual possui menor capacidade de obter a vitamina D a partir da exposição solar. Assim como, no grupo de pessoas obesas que tendem a possuir menor quantidade sérica de vitamina D, mesmo com a suplementação, no caso de indivíduos adultos (4, 5).

A vitamina D pertence ao grupo de secosteróides, produzida (sintetizada) na pele a partir do colesterol, durante a exposição solar ou obtido pela alimentação. Frequentemente relacionada ao seu papel hormonal, a vitamina D possui diversas propriedades de regulação da atividade celular, através de receptores específicos, os quais são muito conhecidos por promoverem o aumento da absorção de cálcio e fósforo no epitélio intestinal. Todavia, apesar dos mecanismos celulares não estarem totalmente esclarecidos, a presença de receptores de vitamina D em células do endotélio vascular, pode estar relacionado com a modulação do processo inflamatório, por meio da redução de citocinas inflamatórias (6). A deficiência de vitamina D também está relacionada a doenças, como: diabetes mellitus, hipertensão e câncer, as quais elevam a gravidade da COVID-19 para a população identificada como grupo de risco.

Mas, devemos estar atentos! Estes estudos ainda não comprovaram que a suplementação com vitamina D possa ter impacto significativo na prevenção ou tratamento, tanto para a aterosclerose quanto para a COVID-19. Isso pois, a ciência ainda não conseguiu explicar todos os efeitos da vitamina D. Os estudos apenas evidenciaram a deficiência da vitamina em indivíduos com essas enfermidades, portanto, não está claro se existe alguma relação de causa e efeito. Neste contexto, a possível modulação do efeito inflamatório provocado pela vitamina D, em favor da redução de citocinas inflamatórias circulantes, pode ser um mecanismo importante para essas doenças. Contudo, devemos ser cautelosos e aguardar mais evidenciais surgirem vindas de estudos clínicos, os quais possam trazer mais dados que comprovem o efeito.

Referências

Nitsa A, Toutouza M, Machairas N, Mariolis A, Philippou A, Koutsilieris M. Vitamin D in Cardiovascular Disease. In Vivo. 2018;32(5):977-81.

Wolf D, Ley K. Immunity and Inflammation in Atherosclerosis. Circulation research. 2019;124(2):315-27.

Zhang C, Wu Z, Li JW, Zhao H, Wang GQ. Cytokine release syndrome in severe COVID-19: interleukin-6 receptor antagonist tocilizumab may be the key to reduce mortality. Int J Antimicrob Agents. 2020;55(5):105954.

Pereira M, Dantas Damascena A, Galvao Azevedo LM, de Almeida Oliveira T, da Mota Santana J. Vitamin D deficiency aggravates COVID-19: systematic review and meta-analysis. Crit Rev Food Sci Nutr. 2020:1-9.

de Oliveira LF, de Azevedo LG, da Mota Santana J, de Sales LPC, Pereira-Santos M. Obesity and overweight decreases the effect of vitamin D supplementation in adults: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Rev Endocr Metab Disord. 2020;21(1):67-76.

Cardoso FEL, Santos LdCMd, Tenório APdO, Lopes MR, Barbosa RHdA. Suplementação de vitamina D e seus análogos para tratamento de disfunção endotelial e doenças cardiovasculares. Jornal Vascular Brasileiro. 2020;19.

 

SOBRE O AUTOR:

Helison R. P. do Carmo
Farmacêutico-bioquímico. Doutor em Ciências pela Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP), com período no Hatter Cardiovascular Institute – UCL (Londres). Atua na área de pesquisa cardiovascular, pós-doutoramento no Laboratório de Aterosclerose e Biologia Vascular, AteroLab (UNICAMP) – CEPID OCRC.

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