Quem vai na farmácia e compra um medicamento hoje em dia, muitas vezes desconhece toda a pesquisa e conhecimento que aquela caixinha contém. Antes de chegar em qualquer prateleira, os medicamentos têm que percorrer e vencer uma corrida de obstáculos que pode durar mais de 10 anos.
Primeiros passos: descoberta e estudos pré-clínicos
Atualmente, a maioria das descobertas de um princípio ativo (a substância que é responsável pela ação farmacológica) se inicia com a identificação do seu alvo biológico, ou seja, a biomolécula (enzima, proteína, etc…) com a qual aquele composto tem que interagir para que possa tratar uma doença. Nessa etapa, a pesquisa básica é realizada principalmente nas universidades, institutos e centros de pesquisas, sendo a principal fonte de conhecimento para entender as características do alvo biológico. A partir daí, os pesquisadores começam a buscar e produzir uma molécula que seja capaz de atingir o alvo, realizando principalmente testes em células cultivadas em laboratório em placas de vidro, conhecidos como testes in vitro, e os compostos mais promissores são avaliados também em animais (testes in vivo).
Todas essas avaliações são importantes para averiguar se o composto é seguro e eficaz o suficiente para ser administrado em seres humanos. É difícil determinar o tempo médio necessário para essa etapa de pesquisa inicial, mas estima-se que leve de 3 a 6 anos. Em muitos casos, são necessárias várias modificações estruturais do composto até que ele seja considerado seguro, porém é comum que muitos não cheguem a seguir o caminho dos testes clínicos (em humanos).
Ensaios clínicos (humanos)
Quando se tem dados de eficácia e segurança favoráveis em modelos animais, é chegada a hora de obter permissão perante a agência reguladora do país que, no Brasil, é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para se iniciar os testes em humanos.
A etapa de ensaios clínicos pode durar de 6 a 7 anos e cerca de 80% dos compostos que chegam aqui falham (não são seguros e/ou eficazes o suficiente), por isso é também conhecida como o “vale da morte”. Ela é subdividida em 3 fases:
– Ensaios clínicos de fase 1: algumas dezenas de voluntários saudáveis são recrutados para participar do estudo e avaliar a segurança do medicamento para uso humano, além de determinar a dose mínima que surte algum efeito e a dose máxima tolerada pelo organismo.
– Ensaios clínicos de fase 2: finalmente chega o momento em que os indivíduos portadores da doença-alvo se tornam voluntários. Mais voluntários são recrutados que na fase 1 porém, em geral, não mais do que algumas centenas. Apesar de poder avaliar a eficácia do medicamento, outros parâmetros ainda são muito importantes nesta etapa, como por exemplo, segurança, dose ideal para o tratamento e possíveis efeitos colaterais a curto prazo. Por ser um estudo mais complexo que o anterior, leva-se mais tempo até obter todas as informações necessárias e, como em todas as etapas até aqui descritas, a taxa de sucesso é muito baixa. Apesar disso, caso um composto passe pela fase 2, as chances de ele ser bem sucedido na fase 3 aumentam consideravelmente para cerca de 70%.
– Ensaios clínicos de fase 3: a última etapa dos ensaios clínicos envolve milhares de pacientes em diferentes países e é onde os pesquisadores avaliam a segurança, eficácia e benefício do medicamento, comparando-o com outra opção de tratamento ou placebo. Esses dados serão apresentados à agência de saúde reguladora para que o medicamento seja aprovado ou não para comercialização. A fase clínica 3 é a que toma mais tempo e onde há o maior investimento financeiro.
Com resultados favoráveis na fase 3, todo o conjunto de dados é submetido à avaliação da agência de saúde reguladora. No Brasil, a Anvisa demora em média 3 anos para avaliar e liberar um novo medicamento no mercado.
Medicamento no mercado, mas o trabalho não para
Uma vez permitida a comercialização, os pesquisadores continuam avaliando os medicamentos, o que são conhecidos como estudos de fase 4 ou farmacovigilância. A intenção é identificar possíveis efeitos colaterais a longo prazo e avaliar quão bom está sendo o desempenho do medicamento no tratamento das pessoas.
Estima-se que todo o processo de desenvolvimento de um novo medicamento necessite mais de 2,5 bilhões de dólares e leve cerca de 10 a 15 anos. Entretanto, em algumas situações específicas como epidemia/pandemia ou quando aquela doença investigada ainda não tem tratamento algum, os ensaios clínicos podem ter seu tempo reduzido. Mesmo nessas condições de maior urgência, ainda é importante que se faça uma avaliação criteriosa para não haver surpresas indesejadas no futuro, quando o medicamento estiver no mercado.
Referências:
- Schultz, D., Campeau, L. Harder, better, faster. Chem.12, 661–664 (2020). https://doi.org/10.1038/s41557-020-0510-8. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41557-020-0510-8#Fig1>
- Zurdo, J. Developability assessment as an early de-risking tool for biopharmaceutical development. Bioprocess. 1(1), 29–50 (2013). Disponível em: <https://www.openaccessjournals.com/articles/developability-assessment-as-an-early-derisking-tool-for-biopharmaceutical-development.pdf>
SOBRE A AUTORA: Marcela Campelo Rodrigues Silva |