O mundo vem presenciando a ocorrência, cada vez mais frequente, de eventos climáticos extremos, como tufões, aumentos no nível do mar, volumes impressionantes de chuvas em contraposição com períodos cada vez mais devastadores de seca. Essas são apenas algumas das consequências das tão faladas “Mudanças Climáticas”.
O aumento na temperatura do planeta traz tantas consequências para a saúde dos seres humanos que o fenômeno recebeu a denominação de pandemia pelos especialistas em saúde planetária. Segundo esses cientistas, o aquecimento global prejudica a produtividade agrícola e, portanto, coloca um número enorme de pessoas em risco de fome, além das oscilações na temperatura e umidade contribuírem para a maior incidência de intoxicações alimentares e doenças infecciosas, especialmente aquelas transmitidas por insetos, como a dengue e a malária.
Os custos da pandemia de Mudanças Climáticas (somando os gastos com desastres ambientais, problemas de saúde e redução na emissão de gases de efeito estufa) contabilizam em torno de 5% a 10% do Produto Interno Bruto mundial, esse percentual equivale a um montante que gira em torno de 4 a 8 trilhões de dólares. Muito maior do que os 2 trilhões estimados para a pandemia de obesidade.
Além do altíssimo custo para a humanidade, a pandemia de obesidade e a de mudanças climáticas também tem em comum a inércia política. Em outras palavras, para ambas as pandemias, nenhum país obteve sucesso em revertê-las porque, segundo os especialistas, as causas econômicas e sociais que as perpetuam permanecem, em grande parte, intocadas.
Mas é justamente ao contemplar os determinantes sociais e econômicos de ambas as pandemias que as semelhanças entre as duas fica ainda mais intrigante. Muitos determinantes são compartilhados.
O modelo atual de produção agrícola é um excelente exemplo disso. A agropecuária é responsável pela ocupação de 40% das terras aráveis, 30% das emissões de gases de efeito estufa e 70% do consumo de água no mundo. Além disso, o modelo tradicional de monocultura e grandes latifúndios (cultivo de apenas uma espécie de planta em uma extensão territorial enorme) é um grande incentivo para o desmatamento, para a redução da biodiversidade natural e para a contaminação dos solos e recursos hídricos com o uso excessivo de fertilizantes e pesticidas. Todos esses impactos ambientais estão intimamente ligados com as mudanças climáticas.
É esse mesmo modelo de agropecuária que produz uma variedade menor de alimentos, deixando de abastecer a mesa dos cidadãos com hortifruti variados, focando principalmente na produção de matéria-prima para a ração animal e para a produção de alimentos ultraprocessados. O resultado é uma redução da diversidade alimentar e o incentivo ao consumo excessivo de carne vermelha e processada, e de alimentos ultraprocessados, ricos em calorias, sal, açúcar de adição e gordura saturada e trans.
E por falar em alimentos ultraprocessados, o consumo desses alimentos contribui não só para o aumento da prevalência da obesidade e suas comorbidades, mas para a geração de resíduos sólidos, já que esse tipo de produto alimentício é comercializado em embalagens plásticas que nem sempre são descartadas da maneira correta, podendo causar diversos impactos ambientais. Nesse caso, por tanto, o slogan “desembrulhe menos e descasque mais” é duplamente vantajoso: para a saúde da população e do planeta.
Quer um outro exemplo? O tão aclamado aleitamento materno não só é uma forma de proteger nossas crianças contra a obesidade e outras doenças no futuro, mas também é um alimento cuja produção é completamente isenta de impactos ambientais e cujo acesso não é tão afetado pelas desigualdades sociais.
Isso sem falar no transporte desses alimentos. Em um mundo globalizado de grandes extensões de terra destinadas a apenas um produto alimentício, os alimentos são produzidos em um continente e exportados para outro e esse transporte de trajeto cada vez mais longo, aumenta a queima de combustíveis fósseis e exige produtos alimentícios com maior vida de prateleira, mais uma vez favorecendo o consumo de alimentos ultraprocessados que, muitas vezes, são menos perecíveis que os produtos in natura ou minimamente processados.
Nesse sentido, investir em uma produção local e mais diversificada de alimentos faria com que alimentos in natura fossem disponibilizados mais frescos e maduros para a população e incentivaria a inclusão dos mesmos nas culturas alimentares locais, além, é claro, de reduzir a emissão de gases de efeito estufa no transporte dos alimentos da porta da fazenda até a mesa do consumidor.
Dessa forma, melhorias que tornem a cadeia de abastecimento de alimentos mais sustentável tem impacto tanto na pandemia de obesidade como nas mudanças climáticas, podendo poupar a humanidade de altos custos para a saúde e a economia. Reconhecer a importância de mobilizar recursos públicos e sociais para melhorar a maneira como o alimento é produzido, transportado, e propagandeado pode não só reduzir a prevalência da obesidade e suas comorbidades, como também, poupar o nosso planeta Terra.
Referências:
Swinburn, B. A.; Kraak, V.I.; Allender, S.; Atkins, V.J.; Baker, P.I.; Bogard, J.R. et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. The Lancet, v.393, p.791-846, 2019.
Willett, W.; Rockström, J.; Loken, B.; Springmann, M.; Lang, T.; Vermeulen, S. Food in the Anthropocene: the EAT–Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. The Lancet, v.393, p.447-492, 2019.
Jaime, P.; Campello, T.; Monteiro, C.A.; Bortello, A.P.; Yamaoka, M.; Bomfim, M. Diálogo sobre Ultraprocessados: Soluções para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Cátedra Josué de Castro, NUPENS: São Paulo, 2021.
SOBRE A AUTORA: Marina Maintinguer Norde |