Antipsicóticos: Uma faca de dois gumes

Os antipsicóticos são primordiais no tratamento de distúrbios mentais como a esquizofrenia, mas os efeitos colaterais, que incluem ganho de peso, podem ser desanimadores para alguns pacientes.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Para quê são usados os antipsicóticos?

O cérebro é um órgão complexo, capaz de pensar, processar, raciocinar, memorizar, relembrar e controlar o corpo e suas funções. Mas essa máquina biológica interligada precisa manter um equilíbrio constante para poder exercer suas funções, e esse equilíbrio é muito sensível. Por esse motivo, qualquer sutil mudança nos processos biológicos no cérebro pode acarretar desregulações abrangentes, levando a distúrbios mentais como a esquizofrenia e o transtorno bipolar.

A interligação dos diferentes tipos de células e das diferentes regiões no cérebro, além da abrangência dos fatores de risco dificultam o estudo das origens de um certo distúrbio. A primeira linha de tratamento medicamentoso da esquizofrenia é através dos antipsicóticos, que reduzem alguns dos sintomas e ajudam o paciente a separar o que é real e o que é imaginário. Existem diversos tipos de antipsicóticos, mas em geral, eles agem em um receptor na superfície das células no cérebro chamado receptor D2, reduzindo o sinal que esse receptor pode transmitir.

Como os antipsicóticos podem causar efeitos colaterais?

Dentro de um cérebro saudável, várias moléculas são responsáveis por enviar sinais de uma célula a outras, chamadas neurotransmissores, que possuem efeitos tanto no sistema nervoso central quanto em outras regiões do corpo. No entanto, alguns destes neurotransmissores compartilham estruturas parecidas, e considerando que os antipsicóticos se ligam justamente aos receptores destas moléculas, um único antipsicótico pode ter um efeito sobre muitos receptores além do seu alvo terapêutico. É dessa falta de especificidade e da presença dos receptores-alvo pelo corpo inteiro que surgem os efeitos colaterais dos antipsicóticos.

Por exemplo, quando os antipsicóticos, despropositadamente, ligam-se aos receptores de histamina, isso pode induzir sonolência; a ligação aos receptores de acetilcolina pode ressecar a boca e embaçar a visão; e a interação com os receptores de epinefrina pode dessensibilizar uma pessoa a insulina, aumentando o risco de desenvolver diabetes. Mas um dos efeitos colaterais mais desencorajadores aos pacientes é o ganho de peso, frequentemente levando os pacientes a pularem doses ou até desistirem do tratamento1.

Como os antipsicóticos causam ganho de peso?

Esse ganho de peso é mais comumente visto em resposta aos antipsicóticos de segunda geração (que incluem clozapina e olanzapina), porém a maioria dos antipsicóticos podem induzir um ganho de peso em graus diferentes2. Por esse motivo, aproximadamente um terço dos pacientes com esquizofrenia apresentam sintomas da síndrome metabólica, incluindo um ganho de peso, a desregulação de glicose e distúrbios no metabolismo de lipídios3.

Apesar de várias pesquisas e muitos avanços, esse problema multifacetado ainda não tem solução. Já se sabe que o receptor de histamina H1 pode ser responsável por uma parte do ganho de peso4, mas a atividade dos antipsicóticos numa região do cérebro chamada hipotálamo5 e desequilíbrios na quantidade de mitocôndrias nas células6 também têm seus papéis.

Fora do cérebro, os antipsicóticos afetam outras funções no corpo, muitas indesejadas, mas inevitáveis. Por exemplo, quando tratados com um antipsicótico, um paciente pode exibir um aumento na produção de glicose no fígado7 e um aumento na quantidade de insulina e de um hormônio que sinaliza fome chamado grelina8. Além disso, já foi confirmado que alguns antipsicóticos podem ativar vias de sinalização diretamente nos adipócitos, as células que armazenam gordura, promovendo o acúmulo de lipídios e a maturação das células9 .

A importância de seguir com o tratamento

Tudo isso faz com que 1 em cada 5 pacientes com esquizofrenia seja obeso10; entretanto, mesmo frente aos indesejáveis efeitos colaterais, para o bem do tratamento, os pacientes devem continuar tomando os remédios. Os sintomas voltam em 95% dos pacientes que param de tomar a medicação11. Além disso, a não aderência ao tratamento piora a prognose de um paciente, dificultando futuras opções12. Por esse motivo, é importante que o paciente e sua família sempre relatem dificuldades ao médico, já que várias opções existem para ajudar a atenuar os sintomas da esquizofrenia. Além das opções de antipsicóticos que possuem uma tendência menor de causar um certo efeito colateral, existem mudanças no estilo de vida que comprovadamente ajudam na redução do ganho de peso2.

Pesquisas futuras ainda vão revelar as causas exatas desses efeitos colaterais e proporão maneiras de reduzi-los. Por exemplo, existem vários estudos que estão investigando as melhores formas de diminuir os efeitos colaterais metabólicos oriundos dos remédios. Mais de 20 compostos químicos já estão sendo estudados para uso complementar aos antipsicóticos2 . Com os avanços da medicina, tratamentos cada vez melhores virão, mas por enquanto é necessário manejar os efeitos colaterais juntamente com os benéficos efeitos terapêuticos dos antipsicóticos.

Referências:
1. Weiden, P. J., Mackell, J. A. & McDonnell, D. D. Obesity as a risk factor for antipsychotic noncompliance. Schizophr Res 66, 51–57 (2004).

2. Dayabandara, M. et al. Antipsychotic-associated weight gain: management strategies and impact on treatment adherence. Neuropsychiatr Dis Treat 13, 2231–2241 (2017).

3. Vancampfort, D. et al. Risk of metabolic syndrome and its components in people with schizophrenia and related psychotic disorders, bipolar disorder and major depressive disorder: a systematic review and meta-analysis. World Psychiatry 14, 339–347 (2015).

4. Kroeze, W. K. et al. H1-histamine receptor affinity predicts short-term weight gain for typical and atypical antipsychotic drugs. Neuropsychopharmacology 28, 519–526 (2003).

5. Li, L. et al. The atypical antipsychotic risperidone targets hypothalamic melanocortin 4 receptors to cause weight gain. Journal of Experimental Medicine 218, e20202484 (2021).

6. del Campo, A. et al. Metabolic Syndrome and Antipsychotics: The Role of Mitochondrial Fission/Fusion Imbalance. Frontiers in Endocrinology 9, (2018).

7. Siafis, S., Tzachanis, D., Samara, M. & Papazisis, G. Antipsychotic Drugs: From Receptor-binding Profiles to Metabolic Side Effects. Curr Neuropharmacol 16, 1210–1223 (2018).

8. Weston-Green, K., Huang, X.-F., Lian, J. & Deng, C. Effects of olanzapine on muscarinic M3 receptor binding density in the brain relates to weight gain, plasma insulin and metabolic hormone levels. Eur Neuropsychopharmacol 22, 364–373 (2012).

9. Cottingham, C. M., Patrick, T., Richards, M. A. & Blackburn, K. D. Tricyclic antipsychotics promote adipogenic gene expression to potentiate preadipocyte differentiation in vitro. Hum Cell 33, 502–511 (2020).

10. Mitchell, A. J., Vancampfort, D., De Herdt, A., Yu, W. & De Hert, M. Is the prevalence of metabolic syndrome and metabolic abnormalities increased in early schizophrenia? A comparative meta-analysis of first episode, untreated and treated patients. Schizophr Bull 39, 295–305 (2013).

11. Zipursky, R. B., Menezes, N. M. & Streiner, D. L. Risk of symptom recurrence with medication discontinuation in first-episode psychosis: A systematic review. Schizophrenia Research 152, 408–414 (2014).

12. Chesney, E., Goodwin, G. M. & Fazel, S. Risks of all-cause and suicide mortality in mental disorders: a meta-review. World Psychiatry 13, 153–160 (2014).

SOBRE O AUTOR:

Bradley J. Smith
Bioquímico, doutorando em Bioinformática (IB/UNICAMP). Aluno do Laboratório de Neuroproteômica, vinculado ao programa de Genética e Biologia Molecular, estudando os efeitos proteômicos e epiproteômicos de antipsicóticos no cérebro e nos adipócitos através da espectrometria de massas.

 

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