Com mais de 23 milhões de pessoas infectadas e 800 mil mortes em todo o mundo é indiscutível que a COVID-19 é um dos maiores desastres sanitários do nosso tempo. Certos grupos apresentam maior risco de mortalidade por COVID-19. Nesse sentido, a obesidade, com mais de 650 milhões de casos em adultos representa um grande motivo de preocupação para os médicos e cientistas. Assim sendo, o foco aqui é apresentar as evidências da relação entre COVID-19 e obesidade, destacando o agravamento dos casos e o maior risco de mortalidade por COVID-19 nessa população.
O agravamento dos casos de COVID-19 devido à obesidade
Desde o início da pandemia de COVID-19 uma questão em particular chama a atenção dos médicos em todo o mundo: um número significativo de pessoas que desenvolvem a forma grave da doença apresenta sobrepeso e principalmente obesidade. Desde então, essa questão passou a ser investigada de forma sistemática através de estudos epidemiológicos.
De fato, as evidências comprovam essa tese. A análise de dados de 24 estudos epidemiológicos mostrou que a obesidade aumenta de forma significativa tanto o número de internações em unidades de terapia intensiva quanto a necessidade de ventilação mecânica nos pacientes internados. Aqui vale ressaltar um prognóstico nada animador: 51% dos pacientes que necessitam de ventilação mecânica progridem a óbito de acordo com um estudo realizado no Brasil.
Outra evidência que chama a atenção é o fato de que mesmo os jovens não estão isentos de risco. Por exemplo, uma avaliação feita nos EUA, utilizando dados de diferentes hospitais – de diferentes regiões e estados – revelou que 75% dos pacientes jovens internados por COVID-19 (e que apresentavam agravamento do quadro) tinham obesidade.
A mortalidade por COVID-19 potencializada pela obesidade
As evidências apresentadas acima mostram claramente um agravamento dos casos de COVID-19 em pacientes obesos. Isso de fato representa maior risco de mortalidade nesses pacientes? Infelizmente, a resposta é sim. O maior estudo, até o momento, realizado no Reino Unido, avaliando 5683 mortes por COVID-19, revelou que pacientes com obesidade apresentam elevado risco de mortalidade, sendo esse risco gradativamente superior conforme o grau de obesidade apresentado, como mostra a figura abaixo.
Importante destacar que esses dados evidenciam a obesidade como um fator de risco independente de mortalidade por COVID-19. Ou seja, o risco de mortalidade se mantém elevado nessa população mesmo após os dados serem normalizados pela idade, sexo e todos os outros parâmetros associados. Tais achados, assim como evidências de outros estudos menores, contribuíram para que a obesidade fosse incluída como fator de risco de agravamento dos casos de COVID-19 pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças Americano (CDC) juntamente com outras patologias, como: doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer, diabetes tipo 2, doença renal crônica entre outras.
Por que a obesidade agrava os casos de COVID-19 e aumenta o risco de mortalidade?
Isso ainda não está claro. A simples expansão da massa de tecido adiposo em pessoas com obesidade prejudica a mecânica respiratória e está associada a doenças como apneia obstrutiva do sono e esofagite. Em pacientes com obesidade e COVID-19, em que a maioria precisa de ventilação mecânica, só essa condição já pode representar um maior risco de mortalidade. Do ponto de vista fisiopatológico, várias hipóteses estão sendo estabelecidas nesse momento. Essas questões serão discutidas em detalhes nessa série de artigos sobre COVID-19.
Aqui destaco apenas dois estudos que são conduzidos pelo Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades – OCRC do Instituto de Biologia da UNICAMP. Dados preliminares do grupo do professor Marcelo Mori mostram que os adipócitos (células que armazenam gordura) pode funcionar como um “reservatório” para produção do SARS-CoV-2 (vírus causador da COVID-19). De acordo com o estudo, os adipócitos apresentam grande quantidade da proteína que possibilita o SARS-CoV-2 infectá-lo. Como as pessoas com obesidade têm maiores quantidade e tamanho de adipócitos, a suspeita é que a replicação (multiplicação) do SARS-CoV-2 possa ser potencializada, justificando o agravamento do quadro de COVID-19 nessa população.
Outro aspecto importante é que a obesidade está intimamente associada ao desenvolvimento de diabetes tipo 2. Nesse sentido, o estudo do grupo do professor Pedro Vieira mostrou que os níveis aumentados de glicose (condição característica de indivíduos com diabetes do tipo 2) pode potencializar a taxa de replicação do SARS-CoV-2 e assim induzir a secreção de citocinas pró-inflamatórias por monócitos (células do sistema imune). Esse quadro pode inibir a ação de células de defesa (células do tipo T) contra o SARS-CoV-2 e também aumentar a mortalidade de células epiteliais do pulmão. Essa condição pode estar associada a disfunção pulmonar observada em pacientes com COVID-19.
Assim sendo, esses achados podem representar um importante passo na compreensão dos aspectos fisiopatológicos da COVID-19 e sua relação com à obesidade.
Referências:
- https://covid19.who.int/
- https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight
- Obesity is a risk factor for developing critical condition in COVID-19 patients: A systematic review and meta-analysis. Obes Rev. 2020 Jul 19.
- Mechanical ventilation in patients in the intensive care unit of a general university hospital in southern Brazil: an epidemiological study. Clinics (Sao Paulo). 2016. PMID: 27074175
- Obesity could shift severe COVID-19 disease to younger ages. Lancet. 2020 May 16;395(10236):1544-1545.
- https://www.medrxiv.org. OpenSAFELY: factors associated with COVID-19-related hospital death in the linked electronic health records of 17 million adult NHS patients.
- https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/need-extra-precautions/people-with-medical-conditions.html
- http://agencia.fapesp.br/estudo-sugere-que-tecido-adiposo-pode-servir-de-reservatorio-para-o-novo-coronavirus/33612/