Entenda as diferenças entre a cirurgia para o diabetes tipo 2 e a bariátrica

A primeira tem como objetivo principal o controle do diabetes, enquanto a segunda foca na perda de peso.

O termo obesidade mórbida é conhecido para designar a gordura corporal excessiva, que traz consequências para a saúde. São pessoas com índice de massa corpórea (IMC = peso/altura²) maior que 35 kg/m² com doenças associadas ou acima de 40 kg/m² (IMC normal entre 19 e 24,9 kg/m²; sobrepeso de 25, 1 a 29,9 kg/m²).

A cirurgia bariátrica, também conhecida como cirurgia da obesidade ou mais popularmente redução de estômago, reúne técnicas com respaldo científico destinadas ao tratamento da obesidade e das doenças associadas ao excesso de gordura corporal ou agravadas por ele como diabetes mellitus tipo 2 (DMT2), hipertensão, artroses, infertilidade, apneia do sono e etc. As operações bariátricas tem mais de 40 anos de utilização segura no Brasil e são sem dúvidas as formas de tratamento mais eficazes para a perda de peso a longo prazo quando os tratamentos clínicos falham.

Porém, um novo conceito tem chamado atenção dos médicos: a obesidade maligna. Esses indivíduos podem ter IMC a partir ou ao redor de 30 kg/m², caracterizando obesidade leve, mas sofrem com as doenças agravadas pelo excesso de peso, principalmente o diabetes e a hipertensão. São casos em que a gravidade das doenças associadas não tem relação direta com o IMC.

Estudos demonstram que a cirurgia bariátrica pode ser uma opção de tratamento para quem está nessa condição e não consegue mais controlar o problema apenas com remédios. Isso sugere que é possível ser aparentemente magro, porém com problemas de saúde típicos dos obesos. É como ser magro, porém fisiologicamente gordo.

O DMT2, responsável por 90% dos 251 milhões de casos de diabetes no mundo, é uma das doenças mais sérias da atualidade. Estima-se que 11% da população brasileira seja diabética. Atinge homens e mulheres, em geral após os 30 anos, que apresentam entre os fatores de risco, principalmente o sobrepeso e obesidade (não mórbida), já que mais de 55% dos casos são indivíduos com peso normal ou sobrepeso, e apresentam outros fatores de risco para o desenvolvimento da doença, como hereditariedade, por exemplo.

Afinal, se mais da metade dos diabéticos não são obesos mórbidos e existem mecanismos de controle da doença inicialmente independentes da perda de peso, cirurgia bariátrica é igual a cirurgia para o DMT2 ou metabólica? A resposta é não!

A partir da identificação em diabéticos obesos mórbidos que tiveram suas taxas de glicemia normalizadas após a cirurgia bariátrica (para obesidade) sem relação direta com a perda de peso, mas através de mecanismos que atuam diretamente sobre o DMT2, iniciamos uma série de estudos clínicos para avaliar a viabilidade da realização deste tipo de cirurgia em diabéticos não obesos mórbidos.

Os resultados apontaram que pacientes que apresentam condições clínicas de deficiência na função pancreática em produzir insulina, resistência dos tecidos a ação da insulina com dificuldades em manter o tratamento medicamentoso, podem se beneficiar do tratamento cirúrgico, criando-se então a definição de cirurgia metabólica.

Pode-se definir que as intervenções sobre o tubo digestivo que tem controle do DMT2 quase que imediatamente no pós-operatório, através de diversos mecanismos diretos contra a doença, inicialmente sem relação como a perda de peso, são chamadas de operações metabólicas, onde a perda ponderal que ocorre a longo prazo é um excelente efeito colateral.

As cirurgias bariátricas são aquelas indicadas para aqueles indivíduos que tem complicações devido ao peso elevado, como doenças articulares, hérnias de disco, refluxo ácido do estômago para o esôfago e etc. As intervenções metabólicas tem como objetivo primário o controle do DMT2 e suas complicações e nada tem a ver com o IMC do paciente, mas sim com a gravidade e controle inadequado do DMT2, independente do IMC, seja ela acima ou abaixo de 35 kg/m². Cirurgia metabólica trata primeiramente o DMT2 e as condições que vem junto, como hipertensão, colesterol e triglicérides elevados.

Nos casos dos obesos mórbidos, importantes estudos comprovam a eficiência da cirurgia bariátrica, que diminui de forma importante os riscos de complicações e desenvolvimento do diabetes ao longo dos anos. Apenas 10% dos pacientes operados desenvolvem a doença durante os 10 e 15 anos pós-operatórios, contra 95% dos não operados que seguem programas não cirúrgicos de controle da doença. E fundamentalmente, diversos estudos epidemiológicos mostraram diminuição de até 92% da mortalidade relacionada ao diabetes no grupo operado, num seguimento de até 16 anos.

Em relação à cirurgia em diabéticos não obesos mórbidos, os resultados também são promissores. A mortalidade em diabéticos é predominantemente secundária às complicações cardiovasculares, e em aproximadamente um ano de pós-operatório existem evidências do controle da progressão da doença vascular no grupo operado, o que sugere que a cirurgia corretamente indicada diminui a mortalidade dos diabéticos tipo 2 submetidos ao tratamento operatório. Pesquisas de nosso grupo se integram ao consenso de que IMC no pré-operatório não revela precisamente a severidade do diabetes, seu poder de causar complicações e os mecanismos da doença. Ademais, outros fatores como idade, gênero, histórico do diabetes e perda de peso pós-operatória não têm sido determinantes na remissão da doença.

Muitas pesquisas realizadas e em andamento no Brasil e no exterior reforçam a diretriz da Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês), que recomenda a cirurgia para pacientes com IMC a partir de 30 kg/m², contanto que seja diabético ou tenha predisposição à doença e apresente riscos cardiovasculares. A diretriz, publicada em março de 2011, contou com o apoio de mais de 200 entidades médicas de 160 países.

As normas nacionais e internacionais em vigor restringem a indicação da cirurgia bariátrica e metabólica para pacientes com IMC a partir de 35 kg/m² com doenças associadas ou acima de 40 kg/m², sem a presença obrigatória de outras enfermidades. Esse critério se mantém há 20 anos, com base no consenso da agência norte-americana National Institutes of Health (NIH) e no Brasil é estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) através da Resolução 1974, de 2010.

As indicações para as cirurgias metabólicas, livres das restrições do IMC como único parâmetro para indicação tem sido ampliadas. A agencia reguladora das práticas médicas britânica (sigla NICE) há 2 meses modificou seus critérios de indicação de tratamento cirúrgico para os portadores de DMT2 sem controle clinico adequado, reduzindo o IMC para 30 kg/m2.

As diretrizes nacionais do CFM são antigas, baseadas em consensos internacionais de 1991, onde não existia a cirurgia por laparoscopia, menos invasiva, e não se conhecia a ação das operações sobre o tubo digestivo para o controle do DMT2.

Existe atualmente um esforço conjunto das Sociedades Nacionais de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e de Endocrinologia para buscar uma nova diretriz que possa beneficiar os portadores de DMT2 não controlados com remédios para que tenham acesso ao tratamento cirúrgico. Sem dúvidas vale o esforço.

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