Uma breve visão sobre a hiperidrose gustativa diabética
Pessoas que transpiram em excesso e tiveram a oportunidade de buscar atendimento para um diagnóstico clínico, devem estar familiarizadas com o termo: hiperidrose. A hiperidrose é a denominação para suor excessivo, criada a partir da junção de hiper (excesso) + hidrose (transpiração).
Em geral, há poucos estudos populacionais que apresentam informações precisas e atualizadas sobre a hiperidrose nos países. De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a hiperidrose primária, a qual pode ser percebida em mãos, pés, axilas, cabeça ou rosto, afeta aproximadamente de 2 a 3% da população. Nos Estados Unidos da América, este índice pôde ser calculado a partir de um estudo com questionário enviado por correio, o qual estimou que 2,8% da população (7,8 milhões de indivíduos), compartilhavam da mesma percepção de transpirar de forma excessiva (1). Apesar da limitação metodológica para a notificação da hiperidrose neste estudo, pois exige uma verificação individualizada de um clínico, ainda assim, a prevalência deste distúrbio na população de ambos os países parece coincidir.
No entanto, existe um tipo de hiperidrose muito particular que sofre igualmente com problemas de notificação, mas que ocorre exclusivamente durante a ingestão de alimentos e bebidas, podendo até mesmo se manifestar através da simples percepção do cheiro destes, denominada: hiperidrose gustativa. Na hiperidrose gustativa, ocorre a transpiração excessiva, principalmente em regiões do couro cabeludo, face, pescoço e rubor facial, estes efeitos têm sido percebidos e estudados ao longo de 300 anos, de acordo com registros literários (2, 3). Mesmo sendo evidenciada há séculos, ainda há uma ausência de classificação internacional para hiperidrose gustativa para a distinção em relação a dois tipos de manifestação: a primeira, é dependente do tipo de alimentação ingerida, como no caso dos alimentos condimentados e picantes, induzindo a hiperidrose gustativa que pode ser nomeada como “fisiológica”; a segunda, é independente do tipo de alimentação ingerida, ou seja, ocorre SEMPRE quando se realiza a ingestão de alimentos sólidos ou líquidos e, que pode ser nomeada como hiperidrose gustativa “não fisiológica” (4). Mesmo não sendo uma classificação oficial, estes termos auxiliam na compreensão da influência que o tipo de alimento tem sobre a manifestação da hiperidrose.
Neste contexto, poucos estudos demonstram a existência de uma associação da manifestação de hiperidrose gustativa “não fisiológica” em indivíduos com o diabetes mellitus do tipo 1 e 2. Esta correlação foi divulgada pela primeira vez por P. J Watkins no ano de 1973 (5), quando foi publicado um estudo clínico com 6 pacientes voluntários com diabetes e, que expressavam a hiperidrose gustativa. Controversamente, mesmo com o avanço da capacidade investigativa da ciência atualmente, este distúrbio tem sido pouco estudado. A maior parte da literatura disponível sobre hiperidrose gustativa diabética (HGD) é composta por relatos de casos clínicos.
Segundo os apontamentos feitos Watkins no artigo: “Facial sweating after food: a new sign of diabetic autonomic neuropathy” (tradução livre: Sudorese facial após comer: um novo sinal de neuropatia autonômica diabética), a correlação com a transpiração excessiva seria o resultado de um processo de degeneração dos nervos do sistema nervoso autônomo simpático provocado pelo diabetes. Com o intuito de avaliar esta hipótese, Watkins utilizou um protocolo experimental bastante simples, sugerindo aos pacientes voluntários com diabetes, previamente diagnosticado com hiperidrose gustativa que fizessem a ingestão de queijo e chocolate, seguida da administração intravenosa de atropina, um fármaco que age como bloqueador da atividade do sistema nervoso autônomo. Desta forma, foi possível verificar a ausência de transpiração enquanto os voluntários mastigavam, comprovando assim o papel do sistema nervoso autônomo na HGD (5).
É importante notar que a hiperidrose gustativa pode manifestar de forma idiopática na população não diabética, bem como, em indivíduos com nefropatia ou aqueles que manifestem a chamada síndrome de Frey (lesão da glândula salivar) (6, 7). Entretanto, faltam trabalhos na literatura que comprovem a maior incidência e prevalência na população diabética quando comparado com a população não diabética. A maioria dos estudos são de casos clínicos, ou seja, estudos observacionais com pouco impacto para serem apreciados e subsidiarem diretrizes internacionais. Uma alternativa que tem sido viabilizada são estudos com questionários auto declaratórios com preenchimento “on-line”, sobre a percepção de transpiração excessiva na população diabética e não diabética. Muito embora, estes protocolos possuem um limite restrito de confiabilidade dos dados obtidos, devido ao alto grau de imprecisão do diagnóstico com ausência de um clínico experiente utilizando métodos de quantificação da transpiração considerados padrão ouro.
Apesar de parecer inofensivo a HGD é um mal que pode causar grandes impactos na qualidade de vida. Este distúrbio pode se relacionar com constrangimentos sociais, psíquicos e físicos, podendo levar o indivíduo a interromper seus padrões normais de alimentação – prejudicando, em especial, aqueles com diabetes e que necessitam ter o controle da alimentação com periodicidade controlada (4, 5).
Medidas para atenuar a manifestação da HGD, podem ser consideradas paliativas, visto que, a causa está relacionada ao descontrole do metabolismo da glicose/insulina e, consequentemente a degeneração dos nervos autonômicos, como resultado de seus efeitos crônicos. É provável que exista um imenso vale de distanciamento entre nosso conhecimento sobre mecanismo intra e intercelulares e o que ocorre de fato na HGD. Portanto, o desenvolvimento de meios para atenuar os efeitos deste distúrbio, dependerá necessariamente dos avanços em pesquisas científicas nesta área. Entretanto, há uma classe de medicamentos chamada anticolinérgicos, a qual pode representar uma alternativa de tratamento, pois agem a partir do bloqueio do neurotransmissor acetilcolina, impedindo sua ligação aos receptores muscarínicos, desta forma, modificando a resposta do sistema nervoso autônomo (8). Alguns destes medicamentos, principalmente de uso oral podem causar muitos efeitos adversos, fazendo com que aqueles de uso tópico possam ter maior adesão ao tratamento (8).
Outra forma de tratamento é através da aplicação da toxina botulínica do tipo A. Esta bloqueia a liberação da acetilcolina na fenda pré-sináptica, impedindo a ligação aos receptores, consequentemente, acarretando a diminuição da atividade do sistema nervoso autônomo e a produção excessiva de suor. Todavia, apesar de ser uma terapêutica que apresenta resultados satisfatórios e poucos efeitos adversos, a toxina botulínica do tipo A tem como principal desvantagem a reduzida durabilidade dos seus efeitos, apresentando uma média de 6 meses de efetividade, sendo necessário que o paciente faça novas aplicações após este período (6).
É importante ressaltar que independentemente do tratamento apresentado ao longo do texto, todos devem ser prescritos por médicos, essencialmente, aqueles especialistas em cuidados com pacientes com HGD.
Por fim, para além dos efeitos psicossomático e igualmente indesejáveis da HGD, a simples percepção do excesso de transpiração durante a alimentação pode ser um sinal facilmente perceptível do agravamento do quadro de neuropático. Portanto, a divulgação deste alerta se faz necessário, à medida que mais indivíduos possam ter consciência e recorrer ao acompanhamento médico para a avaliação da gravidade, bem como, para indicações de medidas de controle do diabetes.
Referências:
- Strutton DR, Kowalski JW, Glaser DA, Stang PE. US prevalence of hyperhidrosis and impact on individuals with axillary hyperhidrosis: results from a national survey. J Am Acad Dermatol. 2004;51(2):241-8.
- van der Linden J, Sinnige HA, van den Dorpel MA. Gustatory sweating and diabetes. The Netherlands journal of medicine. 2000;56(4):159-62.
- Dunbar EM, Singer TW, Singer K, Knight H, Lanska D, Okun MS. Understanding gustatory sweating. What have we learned from Lucja Frey and her predecessors? Clin Auton Res. 2002;12(3):179-84.
- Klarskov CK, von Rohden E, Thorsteinsson B, Tarnow L, Lommer Kristensen P. Gustatory sweating in people with type 1 and type 2 diabetes mellitus: Prevalence and risk factors. Endocrinol Diabetes Metab. 2021;4(4):e00290.
- Watkins PJ. Facial sweating after food: a new sign of diabetic autonomic neuropathy. British medical journal. 1973;1(5853):583-7.
- Restivo DA, Lanza S, Patti F, Giuffrida S, Marchese-Ragona R, Bramanti P, et al. Improvement of diabetic autonomic gustatory sweating by botulinum toxin type A. Neurology. 2002;59(12):1971-3.
- Santos RC, Chagas JF, Bezerra TF, Baptistella JE, Pagani MA, Melo AR. Frey syndrome prevalence after partial parotidectomy. Brazilian journal of otorhinolaryngology. 2006;72(1):112-5.
- Shaw JE, Abbott CA, Tindle K, Hollis S, Boulton AJ. A randomised controlled trial of topical glycopyrrolate, the first specific treatment for diabetic gustatory sweating. Diabetologia. 1997;40(3):299-301.
Artigo de suma importância parabéns aos autores!
Eu sofro terrivelmente com esse quadro de sudorese. O meu pai ficava todo molhado quando se alimentava. E eu, estou igualzinha a ele. Que Deus permita que os pesquisadores dediquem numa atenção especial a esse problema, pois é muito estressante e sofrido, ficar toda suada na frente das pessoas.
Obrigada
Eu sou diabético e sofro muito com a próstata onde não consigo dormir nada indo várias vezes ao banheiro a noite toda em branco e estou sentindo uma suadeira com muito suor na hora das refeições onde me incomoda muito
Comecei sentir isso a poucos dias, pelo que li parece que foi induzido pelo excesso de pimenta.
Procuro um médico que possa me ajudar. Alguma indicação ?