Nos últimos meses, temos vivido com muita apreensão a nova rotina trazida pela pandemia de COVID-19, causada pelo vírus SARS-Cov-2. Em todo o mundo, milhões de pessoas já foram contaminadas e outras milhares perderam suas vidas na guerra contra esse adversário invisível. Curiosamente, algumas pessoas parecem ser mais suscetíveis aos danos causados pelo vírus e pesquisadores têm procurado saber por qual motivo isso acontece. Nesse sentido, algumas doenças têm aparecido com maior frequência entre os indivíduos internados com COVID-19, entre elas a hipertensão.
A hipertensão, também conhecida como “pressão alta”, é uma doença crônica que afeta cada vez mais pessoas em todo o mundo. É caracterizada pela elevação sustentada (por longo período) dos níveis de pressão arterial. De acordo com informações do Ministério da Saúde, no Brasil, a hipertensão acomete cerca de 25% dos indivíduos adultos e mais de 60% dos idosos. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 5 hipertensos, menos de 1 tem a doença sob controle (com a pressão arterial dentro do normal).
Embora seja uma enfermidade silenciosa (progride sem sintomas muito aparentes), a hipertensão é uma das doenças que mais causa mortes diariamente no Brasil. Além disso, é possível que ela possa piorar os desfechos clínicos dos pacientes infectados pelo SARS-Cov-2. De fato, a hipertensão tem sido a enfermidade mais encontrada em pacientes hospitalizados com COVID-19. Em estudo realizado na Lombardia, Itália, 49% dos pacientes internados apresentavam hipertensão. Esse número foi ainda maior em uma pesquisa realizada em Nova York, nos Estados Unidos, alcançando 56%. Além disso, um estudo realizado em Wuhan, na China, mostrou que pacientes com pressão alta tiveram risco de óbito por COVID-19 duas vezes maior, em comparação com pacientes sem pressão alta.
Mas, o que poderia explicar a piora do quadro de saúde dos hipertensos com COVID-19?
Existem duas principais hipóteses. A primeira deles é a produção exacerbada de moléculas chamadas de citocinas. Quando as células do pulmão são infectadas, por exemplo, células do sistema imune localizadas nas proximidades percebem a presença do invasor e liberam moléculas chamadas de citocinas. As citocinas são responsáveis por atrair mais células do sistema imune e induzir a inflamação, mecanismos importantes no combate ao invasor. Se a liberação de citocinas for controlada, o sistema imune e a inflamação são estimulados na medida certa e as células infectadas são eliminadas. O problema é que a pressão alta por si só também estimula a produção de citocinas, ou seja, os hipertensos possuem maior quantidade dessas moléculas no organismo do que o normal. Agora, imagine se duas condições que geram muitas citocinas estiverem acontecendo ao mesmo tempo. Neste caso, pode ocorrer um fenômeno chamado de “tempestade de citocinas”, em que os níveis dessas moléculas em todo o organismo são altíssimos, ativando o sistema imune e induzindo a inflamação de forma exacerbada. Como resultado, não apenas as células do local da infecção são prejudicadas, mas também células saudáveis de outros órgãos.
Figura 1
A segunda hipótese se refere a alterações na proteína ECA-2. A proteína ECA-2 desempenha funções importantes no nosso organismo. Ela converte uma molécula chamada angiotensina II em outra molécula chamada de angiotensina 1-7. A angiotensina 1-7 atua como vasodilador (relaxa a parede dos vasos sanguíneos, diminuindo a pressão arterial), antiinflamatório e antitrombótico. Entretanto, a ECA-2 também é utilizada pelo vírus SARS-Cov-2 para entrar nas células e isso pode torná-la inviável para desempenhar suas funções no organismo. Se isso for verdadeiro, a perda de função da ECA-2 causada pela COVID-19, em indivíduos com pressão alta, pode agravar ainda mais o quadro de hipertensão, além de aumentar o risco de trombose. Existe também a possibilidade de que a quantidade de ECA-2 possa estar aumentada em pacientes hipertensos, o que facilitaria a entrada do vírus nas células. Ou ainda, de que o vírus possa infectar as células do coração por meio da ECA-2, comprometendo ainda mais o funcionamento de um órgão que vive sob “muita pressão”.
Figura 2
Então, isso significa que os hipertensos são, de fato, mais suscetíveis aos danos causados pela COVID-19?
Ainda é cedo para dizer que a hipertensão por si só é um fator de risco para a COVID-19. O número de hipertensos é grande em todo o mundo, especialmente entre os idosos, o grupo mais vulnerável à COVID-19. Por isso, a quantidade de pessoas diagnosticadas com COVID-19 que possuem hipertensão tende a ser elevado. Dessa forma, mais estudos são necessários para esclarecer o efeito de uma doença sobre a outra e tais estudos ainda estão em desenvolvimento.
“Sou hipertenso, o que devo fazer para diminuir o risco de complicações por COVID-19?”
A dica mais importante é controlar sua pressão arterial, seguindo corretamente o tratamento indicado pelo seu médico. Manter hábitos de vida saudável também ajudam a proteger contra os graves problemas de saúde que a pressão alta pode causar e que devem ser ainda mais evitados durante a pandemia. Por fim, recomendações básicas como lavar bem as mãos, utilizar máscara e evitar aglomerações também são muito importantes, pois a prevenção ainda é o melhor remédio.
Figura 3
Referências
Hypertension. Organização mundial da saúde (OMS). https://www.who.int/health-topics/hypertension/#tab=tab_1
7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Ministério da saúde http://departamentos.cardiol.br/sbc-dha/profissional/revista/24-1.pdf
Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020
Baseline characteristics and outcomes of 1591 patients infected with SARS-CoV-2 admitted to ICUs of the Lombardy Region, Italy. JAMA. 2020
Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City Area. JAMA. 2020
COVID-19 patients with hypertension have more severe disease: a multicenter retrospective observational study. Hypertension research. 2020
The COVID-19 Cytokine Storm; What We Know So Far. Front. Immunol. 2020