Já ouviu falar na melatonina? A melatonina é conhecida como “hormônio do sono”. Produzida naturalmente pelo corpo poucas horas antes de dormir, ela é uma das responsáveis por acertar o ritmo circadiano do organismo, dizendo ao corpo se é dia ou noite, se é cedo ou se é tarde.
Além de ajudar a controlar melhor o sono, a melatonina também age de maneira abrangente em todo o nosso corpo. Pesquisadores brasileiros, trabalhando no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, descobriram que o hormônio tem papel fundamental no desenvolvimento de doenças como a obesidade e o diabetes. A boa notícia é que, com um pouquinho mais de estudos, talvez seja possível formular novos tratamentos para o sobrepeso, a obesidade e o diabetes tipo 2 através da melatonina.
Acompanhe a seguir os principais trechos de entrevista com o médico José Cipolla Neto, um dos maiores especialistas brasileiros em melatonina, feita pela repórter Karina Toledo, da Agência Fapesp. A entrevista completa você encontra aqui.
ENTREVISTA
Agência FAPESP – De que maneira a melatonina regula o peso?
[quote_right]”A melatonina pode ser um possível coadjuvante no tratamento do diabetes do tipo 2″[/quote_right]Cipolla Neto – De várias maneiras. Acima de tudo, a melatonina é um poderoso regulador da secreção e da ação da insulina. [Ela] desempenha muitas funções no organismo. Uma das mais importantes é regular o desvio da energia ingerida para os estoques energéticos, bem como a retirada de energia desses estoques para uso nas atividades do dia a dia. Pode ser vista, portanto, como um possível coadjuvante no tratamento do diabetes do tipo 2, decorrente da resistência insulínica. Mesmo no diabetes do tipo 1, no qual há pouca produção de insulina, a melatonina poderia melhorar a ação desse hormônio pancreático. Também é um poderoso agente anti-hipertensivo. (…) Quando, em experimentos, a melatonina é retirada de animais, observamos redução na ação da insulina e desregulação no ciclo circadiano. Isso também ocorre com qualquer pessoa que, por algum motivo, passa a ter uma produção menor de melatonina. Isso leva a um distúrbio metabólico cujas consequências são obesidade, resistência insulínica e hipertensão.
AF – O que pode prejudicar a produção de melatonina?
[quote_right]”Ver TV (ou mexer no smartphone) à noite pode ser um dos fatores por trás da epidemia de obesidade da sociedade contemporânea”[/quote_right]CN – A principal causa de queda na produção noturna de melatonina é a fotoestimulação. A maioria das pessoas começa a produzir esse hormônio por volta de 20 horas. Quando o indivíduo se expõe à luz durante a noite, seja vendo TV ou mexendo no smartphone ou no computador, a síntese de melatonina que deveria estar ocorrendo nesse período é bloqueada. Esse pode ser um dos fatores por trás da epidemia de obesidade da sociedade contemporânea. Também há fatores relacionados com intervenções médicas. Várias drogas usadas na clínica alteram a produção de melatonina, como os betabloqueadores, os bloqueadores de canal de cálcio e os inibidores da enzima conversora de angiotensina (as três drogas são usadas contra hipertensão). Indiscutivelmente, os mais poderosos são a poluição luminosa noturna e o trabalho no turno da noite.
AF – Como tornar a rotina menos danosa para quem não tem a possibilidade de dormir cedo ou acordar tarde?
CN – Uma das coisas que têm sido sugeridas é eliminar o comprimento de onda da luz azul, de 480 nanômetros, que controla a ritmicidade circadiana e a produção de melatonina. As empresas de iluminação já estão trabalhando nesse tema. Estudos mostraram que, se o ambiente noturno estiver com baixas intensidade de luz azul, o indivíduo pode permanecer trabalhando sem ter a ritmicidade circadiana e a produção de melatonina afetadas significativamente. Mas esse é justamente o comprimento de onda emitido pelo LED de luz azul presente em computadores, televisores e smartphones. Há empresas que vendem películas para colocar na tela e filtrar a luz azul. É uma forma de lidar com o problema.
AF – Em quais casos seria indicada a suplementação de melatonina?
[quote_right]”Suplementos de melatonina podem ser importantes contra o câncer, hipertensão e para regular o metabolismo”[/quote_right]CN – Já há respaldo internacional de várias sociedades médicas para o tratamento de alguns tipos de insônia e também do jet lag (descompensação do ritmo circadiano causada por viagens). Também há evidências poderosas de que ela pode ser um agente terapêutico importante contra o câncer, hipertensão e um regulador do metabolismo energético. Mas para essas três condições ainda está sendo estudada a forma mais adequada de tratamento.
AF – O senhor acha que, em breve, os médicos, ao tratarem obesidade, hipertensão e diabetes, vão prescrever também a melatonina?
CN – Não tenho a menor dúvida. O tratamento com betabloqueador, por exemplo, retira do paciente um componente fisiológico importante para o combate à hipertensão. Nada mais justo que nesses indivíduos se faça reposição terapêutica de melatonina. É algo que os cardiologistas estão discutindo atualmente.
AF – O consumo de suplemento pode causar diminuição da produção natural do corpo?
[quote_right]”É importante tomar melatonina somente à noite, pouco antes de dormir”[/quote_right]CN – Não. A melatonina exógena que o indivíduo toma é um poderoso sincronizador dos ritmos circadianos e, portanto, ajuda a regularizar a produção endógena. Mas é crucial observar que, em qualquer circunstância, o consumo de melatonina deve ocorrer somente à noite, cerca de uma hora ou 30 minutos antes de dormir.
AF – Se tomado corretamente o suplemento não teria efeitos colaterais?
CN – Segundo a literatura, a melatonina é um agente sem qualquer efeito tóxico. O único possível problema é a alteração da ritmicidade circadiana caso o indivíduo tome no horário ou na dose inadequada. Em crianças, os cuidados precisam ser maiores. Dependendo do uso, da quantidade, pode provocar um retardo pubertário. Mas a substância é prescrita para tratar várias doenças infantis com distúrbio de sono associado, como síndrome das pernas inquietas, síndrome de Smith-Magenis e até autismo. Ao consolidar o sono, a melatonina faz com que a vigília seja mais eficiente e atua como um agente neuroprotetor.
AF – Se a melatonina não oferece riscos, por que foi proibida no Brasil?
CN – A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] proibiu há cerca de 20 anos porque estava sendo feito uso inadequado. Na época, havia propagandas na televisão com pessoas famosas dizendo “já tomei minha melatonina hoje”. Isso só traz danos. Melatonina é um hormônio e tem de haver normas de administração muito bem controladas. A literatura mundial hoje conta com evidências suficientes para liberar a venda no Brasil, mas para uso sob prescrição médica.